sábado, 14 de fevereiro de 2009

Ciências, ateísmo e Richard Dawkins

 

Richard Dawkins, biólogo inglês, é hoje um dos grandes nomes do ateísmo militante. Sua defesa do ateísmo pretende ter por fundamento sobretudo as ciências naturais, notadamente a biologia. Sustenta, em linhas gerais, que o mundo, tal como as ciências naturais o consideram, basta-se a si mesmo, e tudo o que nele há de diversificado e maravilhoso é resultado do dinamismo do próprio mundo posto em movimento. Entretanto, cabe uma pergunta: será possível abraçar a doutrina atéia a partir das ciências naturais?


Para ser direto, devo dizer: as ciências naturais, de si, não nos permitem nem afirmar nem negar a existência de Deus. Sim, essas ciências têm uma metodologia e estatuto próprios que lhes dão competência em uma área determinada da realidade, mas que também lhe tiram a competência para outras dimensões do saber. Elas podem alcançar certa dimensão da realidade, mas não a realidade toda.


As ciências que têm por objeto a realidade como um todo são a filosofia e a teologia; esta baseada na fé na Revelação divina, e aquela na aplicação dos princípios racionais. Ora, a questão da existência de Deus diz respeito ao todo da realidade. O que é o real? É só a matéria? O que é a matéria? Para além da matéria existe algo? Só quem tem uma visão do todo pode dizer se Deus existe ou não. Essa tarefa, portanto, se é possível executá-la, cabe à filosofia ou à teologia, únicas ciências que pretendem encarar a realidade como um todo.


As diversas ciências naturais, inclusive a biologia, ciência na qual Dawkins é versado, estão restritas ao mundo material, que é o seu pressuposto inquestionável, sem perguntar se para além desse mundo existe um outro, de natureza diversa. Essas ciências, uma vez admitido como pressuposto óbvio o mundo material, querem saber como esse mundo se comporta, como os diversos fenômenos naturais podem ser explicados, quais as relações entre causa e efeito, etc. Mas tudo restrito ao âmbito desse mesmo mundo.

Sendo assim, todas as vezes que um cientista natural – físico, biólogo, etc – levanta uma questão sobre Deus, sobre o princípio radical do mundo (se é eterno ou não), ou sobre se este mundo visível é o único existente, ou ainda sobre se há ou não um sentido para as coisas e a vida humana; quando, pois, levanta questões assim, o cientista, na verdade, extrapola o âmbito da sua ciência natural e passa a colocar questões filosóficas ou teológicas. Ele, então, já não fala em nome da sua ciência natural. Passa a falar como filósofo ou teólogo sem, às vezes, ter adquirido competência para tal.

Ao descrever os fenômenos da natureza, suas causas e relações mútuas, as ciências naturais não pretendem tirar o véu do sentido radical do mundo. A descrição que fazem pode ser compatíveis com diversas cosmovisões. No âmbito dessas ciências, se se quer respeitar seu estatuto epistemológico próprio, não se pode decidir pelo teísmo, deísmo, agnosticismo ou ateísmo. É preciso lançar mão de um outro nível de conhecimento, uma visão filosófica ou teológica, para alcançar a decisão sobre o sentido da realidade como um todo.

As ciências naturais podem até apresentar indícios de que o mundo é fruto de uma Inteligência ordenadora e um Poder conservador e criador superior, mas, por si mesmas, nunca poderão dar o veredicto final sobre a existência ou não dessa Inteligência ou Poder. Ou podem insinuar que o mundo se basta a si mesmo e que, malgrado a ordem e as maravilhas que podem ser percebidas na natureza, a origem das diversas coisas e das diversas espécies vivas tenham sua razão de ser no próprio interior do mundo, cujo dinamismo, através do acaso e da necessidade, é o “relojoeiro cego” (Dawkins) que fabrica “relógios” maravilhosos. Mas, repito, não podem decidir, por si mesmas, se o mundo realmente se basta a si mesmo ou se a origem mundana das coisas requer ou não uma origem anterior, não mundana. Em síntese, as ciências podem explicar o como e os porquês mais imediatos dos fenômenos do mundo, mas não têm competência para responder à questão do porquê radical. Veja-se o que diz o ex-ateu Alister MacGrath, com doutorado em biofísica molecular:

“As teorias científicas não podem ser tomadas para ‘explicar o mundo’, mas apenas para explicar os fenômenos observados no mundo. Além disso, argumentam os autores, as teorias científicas não descrevem e explicam todo sobre o mundo, e nem pretendem fazê-lo – conforme suas propostas” (McGRATH, Alister; McGRATH, Joanna. O delírio de Dawkins. Uma resposta ao fundamentalismo ateísta de Richard Dawkins. Mundo Cristão: São Paulo, 2007).

O que Dawkins não entendeu é exatamente isso. Não compreendeu os limites próprios do discurso científico, e quis fundamentar sua tese metafísica (filosófica) ateísta sobre a biologia. A tese metafísica de Dawkins sobre a não existência de Deus deve ser debatida no âmbito da filosofia (não digo da teologia porque Dawkins não tem fé, e a teologia a exige como pressuposto), não das ciências naturais.

Ora, Dawkins, até hoje, não apresentou nenhum discurso propriamente filosófico para demonstrar que Deus não existe ou para demonstrar que a realidade visível é a única realidade. As pseudo-refutações que faz das “vias” tomistas (argumentos que pretendem demonstrar a existência do Absoluto distinto do mundo), em seu livro Deus: um delírio, mostram, a meu ver, que não compreendeu a natureza dos argumentos. Mas isso já é um outro assunto, do qual pretendo tratar depois neste blog.

Aguardamos ainda de Dawkins, se é que isso é possível, um discurso verdadeiramente filosófico que ateste seu ateísmo. Seu discurso simplesmente não convence.

Padre Elílio de Faria Matos Júnior

Fonte: Blog do Padre Elílio

2 comentários:

Unknown disse...

"Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar" — Carl Sagan.

Eu fui muito religioso outrora, fiz parte de uma denominação protestante pentecostal, hoje devido à diversas observações sobre o comportamneto de líderes religiosos não acredito e nem irei acreditar que exista algo além de matéria e energia no universo.
Não dá para entender uma coisa somente, como existem pessoas que acreditam em almas, espíritos que, segundo dizem dá vida ao nosso “corpo físico”. Tenho uma amiga espírita que tem até medo de “assombração”, já tentei explicar a ela a impossibilidade da existência de tais entidades.
Como um ex-estudante de Física entendo a “alma” como energia, tudo o que existe no universo é materia ou energia, o nosso organismo depende dos alimentos, retiramos deles através de processos internos a energia química que posteriormente é convertida em energia física, que pode ser elétrica(Os neurônios possuem impulsos elétricos), mecânica ( Só nos movemos por termos energia suficiente). Quando um indivíduo morre é simplesmente por que esta energia se esvaiu ou porque não pode mais ser utilizada.
Para confirmar esta idéia façamos uma analogia, um aparelho que esteja com defeito pode ser ligado a uma fonte energética e não responder mais, assim é o organismo humano quando a energia se esgota ou o corpo apresenta “defeitos”, nenhum “deus” poderá fazer mais nada.
A religião só serve para os poderosos que usam e abusam da ingenuidade das pessoas que não possuem um alto nível de conhecimento sobre a realidade do universo.
Quando jovem certa vez fui assediado por um padre, este se aproveitou que minha namorada ( Que era muito católica) estava grávida e quis conversar conosco para nos orientar, pediu a ela que nos deixasse à sos e insinuou-se para mim, agora eu pergunto:"Será que um cidadão desse acredita em um ser superior?". Até mesmo em igrejas protestantes onde muitos pastores amam mais o dinheiro que a seu próprio deus eu pergunto: "Eles não acreditam que serão punidos por seu deus?" A resposta me parece óbvia, não porque simplesmente eles mesmos não acreditam, suas religiões só lhe servem para retirar seu sustento a custa da inocência alheia.
Quanto a Richard Dawkins, como um bom cientista ele devia saber que o ônus da prova cabe a quem afirma uma idéia, o ateu não acredita em nada, logo não precisa provar nada.
Respeito todas as idéias, se uma pessoa quer acreditar que um pedaço de pau ou barro é seu deus, quem sou eu para discordar, só não admito que venham tentar me engrupir com suas crenças que para mim são infrutíferas e inúteis.

David B. Carvalho disse...

Caro Marcelo, ser estudante de física não tem absolutamente nada a ver com o materialismo, ou seja, você não é materialista "como um ex-estudante de física" nem eu sou católico "como mestre em física". O materialismo é uma crença que precisa necessariamente das premissas metafísicas ou da eternidade da matéria ou do fiat ex nihilo da matéria, seja por Big Bang ou por injeção constante de matéria em um universo estático tipo Fred Hoyle. Em ambos os casos, ou se admite que a matéria (e suas manifestações radiativas e gravitacionais) é eterna, o que vai contra o próprio conhecimento da física no que concerne decaimento e segunda lei da termodinâmica, ou se admite que algo que necessariamente transcende o cosmos injetou ou injeta matéria nele. Quanto a Carl Sagan, vale lembrar que a primeiríssima frase do documentário Cosmos é uma afirmação metafísica sem a mais mínima evidência: "O Cosmos é tudo o que foi, tudo que é e tudo o que será." Portanto, para Sagan, todas as crenças sem evidência são iguais, mas algumas são mais iguais que outras. Quanto a Dawkins, se ele afirma que Deus tem que ser provado materialmente em laboratório, a premissa oculta é que só existe matéria, o que é um pressuposto metafísico arbitrário cuja aceitação automaticamente colocaria o materialista numa posição superior no debate.

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