"Já há algum tempo, mas com insistência maior depois que os falsos amigos se revelaram, temos sido censurados por “fazer polêmica”. Esta censura foi feita a outros antes de nós, entre outros, ao Abbé Berto, fundador das dominicanas do Espírito Santo (Pontallec, Saint Cloud...). Sua resposta é bonita demais para continuar na sombra. A resposta data de junho de 1956. Como é longa, extraímos de lá algumas passagens." (Pe. Laguerie, diretor de "Le Chardonnet").
POLÊMICA E CARIDADE
Abbé Berto
Vós que educais crianças, em lugar de deplorar minha violência, fazei violentos. Os violentos podem se tornar mártires; os falsos caridosos nunca o serão; serão mortos sem que testemunhem, e são vistos tão transbordantes de caridade para com o carrasco, que lhe fazem o favor de entregar o rebanho com uma mão enquanto mantêm a outra na consciência.
Chega ao ponto que mais lhe desagradou em meu artigo: a rudeza do tom, segundo o senhor, pouco caridoso. Sobre esse ponto não concedo nada. Se a caridade é o que o senhor diz, é preciso rasgar páginas inteiras do Evangelho, desde a palha e o pó dos “hipócritas”, até a chave da ciência que os “duces cæci et stulti” guardam em seus bolsos, para acabar com as serpentes, “genimina viperarum”. Ou será que o senhor usa dois pesos e duas medidas? Era caridade para São Jerônimo tratar Santo Agostinho de “abóbora”, “cucurbitarius”, Rufino de “asno de duas patas”, “asinus bipes”, enquanto que seria falta de caridade de minha parte alegrar meus leitores evocando o “bípede implume” de Platão, expressão que aplico tanto a mim quanto a meus adversários, já que sou homem como eles, ao passo que São Jerônimo não aplica a si, com certeza, “o asno de duas patas” que ele lançou a Rufino. A menos que o senhor prefira dizer que São Jerônimo também faltou à caridade, o que o faria contra toda a Igreja, e contra a evidência, pois a Igreja e a evidência proclamam que esse vulcão de invectivas ardia de caridade.
Ele e não eu? Infelizmente é a pura verdade, mas para dize-lo, é preciso escrutar minhas intenções, o que também não é evangélico, e ir além do meu comportamento literário, já que minhas expressões não são mais fortes do que “sepulcros caiados” que está no Evangelho, e que “borrou-se nas calças” que está na carta para Eustochium.
O senhor se escandaliza por encontrar a invectiva numa publicação que se intitula católica. É, simplesmente, porque a invectiva é católica, como prova o Evangelho; como provam não só os onze volumes de São Jerônimo em Migne como cem outros tomos de Patrologia. Ela não é, por si mesma, em todos os casos contrária à caridade. A caridade transcende a invectiva e a mansidão das palavras, ela “impera” sobre uma e outra, conforme as circunstâncias. Verdadeiramente, “o Evangelho só fala de caridade?” Muito bem, estou de acordo; no entanto ele contém invectivas, portanto as invectivas não são, por si mesmas, contrárias à caridade do Evangelho. E quanto a uma caridade que não é a do Evangelho, pouco me importa faltar-lhe.
Mantenho, pois, absolutamente, meu direito à invectiva; repilo absolutamente a censura de falta de caridade fundada unicamente sobre o uso da invectiva; digo que essa censura procede de um erro sobre a própria natureza da caridade. Pode-se, é verdade, faltar à caridade na invectiva, e eu posso ter tido essa infelicidade; mas pode-se também faltar à caridade na mansidão, e condenar a invectiva em nome da caridade não está de acordo com a noção de caridade que o Evangelho do dulcíssimo e terrível Senhor Jesus no dá e da qual nos mostra a prática.
Veuillot é cheio de invectivas e se pode dizer que São Pio X canonizou não a sua pessoa mas o seu modo de ser. O Breve de 1913 é minha carta magna e a ela me atenho.
Mas Veuillot era leigo! Sim e daí? Interdizer ao padre, porque é padre, a invectiva é aceitar uma imagem convencional e artificial do padre, que tem sua origem em outro lugar que não é o Evangelho nem a Igreja, sendo a imagem mundana do padre, ou melhor, sua caricatura, benevolente, untuosa, efeminada. Não quero me parecer com essa caricatura degradante; quero ter ao alcance de minha mão o chicote de que se serviu o Soberano Padre, único modelo verdadeiro dos padres ministeriais. Posso ter usado pouco caridosamente esse chicote de caridade, pouco evangelicamente esse chicote evangélico, pouco sacerdotalmente esse chicote sacerdotal; mas ele é o chicote de caridade, é evangélico, é sacerdotal, e eu tenho duplamente como padre, o dever de conserva-lo em uso, porque duas vezes, como padre, tenho o dever de revestir-me com a semelhança de Jesus.
É verdade que são padres, religiosos os que encontro, em meu caminho. Mas se eles fazem uma obra nefasta, a caridade me ordena deixá-los realizá-la porque são padres ou religiosos? Ao contrário, me ordena impedir que o seu caráter religioso proteja seus empreendimentos. Ao mesmo tempo, me ordena, é verdade, respeitar neles aquilo que permanece respeitável, suas vidas privadas, das quais não trato nunca, suas intenções, que não presumo nunca perversas, a pureza de sua fé que não me arrogo nunca o direito de contestar.
Quanto ao mais, a caridade que me obriga a amá-los como meu próximo, me impõe como um dever odiá-los “perfecto odio” como publicistas, se pregam uma teologia inexata, se têm uma pastoral funesta, se têm um estilo ridículo, se seu juízo é falso, se têm o gosto sofisticado, e raciocinam contra o bom senso, se confundem o unívoco e o análogo, a geometria e a finura, o essencial e o existencial, sobretudo se, enfim, conseguiram uma audiência bastante grande para semear a desordem em muitos espíritos, para atrapalhar uma grande quantidade de cabeças fracas. É lastimável, é doloroso que padres e religiosos que se metem a escrever dêem o espetáculo de uma ou de outra dessas disformidades ou de várias ao mesmo tempo; mas se o dão, a caridade impõe uma indignação tanto maior quanto maior a indecência da parte deles, e tanto mais saudável quanto mais urgente tirar-lhes o crédito.
(Transcrito de “Le Chardonnet”, n° 42, republicado em PERMANÊNCIA n° 252-253, Nov.-Dez. de 1989.)
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