domingo, 26 de abril de 2009

FSSPX lança nova Cruzada do Rosário

Dom Fellay lança uma nova Cruzada do Rosário. Desta vez, pede-nos a generosa oferta de 12 milhões de rosários até dia 25 de Março de 2010 pela consagração da Rússia ao Coração Imaculado de Maria que, como sabemos, foi incorrectamente realizada por João Paulo II.

Nossa Senhora pediu em Fátima a consagração da Rússia ao Seu coração maternal. A gravíssima crise por que passamos é, primeiramente, espiritual. Se todos se deixassem de futilidades e coisas que para nada servem e fizessem o que a Mãe de Deus nos veio pedir, seguramente não estaríamos como estamos.

A Mãe fala aos pequeninos, aos humildes, aos simples de coração, aos que querem fazer a vontade de Deus.

Todos sabemos que Jesus só reinará nos corações e nas sociedades quando reinar a Sua Mãe, Maria Santíssima. Sabemos igualmente que o rosário é, por especial desígnio de bondade do Senhor, a mais poderosa e eficaz arma espiritual de combate às heresias e ao demónio. Então, o que esperamos? Mãos ao rosário!!!

Vamos ser generosos outra vez? Mais do que fomos nas duas anteriores cruzadas do rosário? Vamos ajudar o nosso superior geral na sua árdua tarefa?

Queridos irmãos da Tradição! Com pequenos sacrifícios quotidianos, com a aceitação alegre e voluntária dos sofrimentos que o Senhor se digne enviar-nos, com o cumprimento amoroso dos nossos deveres e com a imprescindível oração do rosário à nossa amada mãezinha do Céu, agradamos muito a Deus e podemos estar a contribuir, ainda que indirectamente, para o início do fim da crise.

Amemos muito Maria, nunca nos cansemos de propagar a sua mensagem, de espalhar os seus louvores.

E rezemos o Santíssimo Rosário com modéstia, atenção, devoção, amor e fervor!

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Pio VI: A liberdade religiosa, é um “direito monstruoso”

 

Breve "Quod aliquantum"

PIO VI

     O efeito necessário da Constituição decretada pela Assembléia é aniquilar a religião católica e, com ela, a obediência devida aos reis.

     Com este propósito ela estabelece como um direito humano na sociedade essa liberdade absoluta, que não só assegura o direito de permanecer indiferente às opiniões religiosas, como também concede plena autorização para livremente pensar, falar e escrever, e até mesmo imprimir tudo o que qualquer um queira em matéria religiosa, inclusive as mais desordenadas idéias.

     Não obstante, é um direito monstruoso, o que a Assembléia reivindica como resultado da igualdade e da liberdade natural do homem.

     Mas o que poderia ser mais insensato, do que estabelecer entre os homens essa igualdade e essa liberdade sem limites, que reprime a razão – o mais precioso dom natural dado ao homem e que o distingue dos animais?

     Depois de haver criado o homem em um lugar provido com coisas deleitáveis, Deus não o ameaçou com a morte se comesse a fruta da árvore do bem e do mal? E com essa primeira proibição Ele não estabeleceu limites para a sua liberdade? Depois que o homem desobedeceu a ordem, incorrendo por meio disso em culpa, Deus não lhe impôs novas obrigações, por meio de Moisés? E apesar de deixar ao homem o livre arbítrio para escolher entre o bem e o mal, Deus não lhe forneceu os preceitos e mandamentos, que poderiam salvá-lo "se ele os observasse"?

     De onde, então, é a liberdade de pensamento e ação, que a Assembléia outorgou ao homem na sociedade, como um indiscutível direito natural? A invenção desse direito não é contrária ao direito do Supremo Criador, a quem nós devemos nossa existência e tudo o que temos? Podemos ignorar o fato de que o homem não foi criado apenas para si próprio, mas para ser útil ao seu próximo? ...

     O homem deve usar sua razão antes de tudo para mostrar-se agradecido ao seu Soberano Criador, para honrá-lo e admirá-lo, e para submeter toda a sua pessoa a Ele. Para isso, desde a sua infância, deve ser submisso àqueles que são superiores a ele em idade; deve ser educado e instruído por suas lições; deve ordenar sua vida de acordo com as leis da razão, da sociedade e da religião.

     Essa exageração da igualdade e da liberdade, portanto, são para ele, desde o momento em que nasce, não mais do que sonhos imaginários e palavras sem sentido.

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     Pio VI, Breve "Quod aliquantum", de 10 de março de 1791. In Recueil des Allocutions, Paris: Adrien Leclere, 1865, pp. 53-55.

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* Versão original:

     http://www.traditioninaction.org/religious/n051rp_ReligiousLiberty.htm

     Tradução: André F. Falleiro Garcia

http://www.sacralidade.com/igreja2008/0067.liberdade.html

O LEÃO DE MÜNSTER E PIO XII

O New York Times definiu o bispo Von Galen “o adversário mais obstinado do programa nacional-socialista anticristão”. Sua coragem e seus duros sermões contra Hitler, pronunciados do púlpito da catedral de Münster, deram a volta ao mundo. E Pio XII escreveu a ele para manifestar seu pleno apoio e sua gratidão

Clemens August von Galen

O LEÃO DE MÜNSTER E PIO XII *

Stefania Falasca

     “Os três sermões do bispo Von Galen proporcionam a nós também, na via dolorosa que percorremos ao lado dos católicos alemães, um conforto e uma satisfação que há muito tempo não experimentávamos. O bispo escolheu bem o momento para dar um passo à frente com tanta coragem”.[1]

Com essas palavras de gratidão e plena aprovação, Pio XII, escrevendo em 30 de setembro de 1941 ao bispo de Berlim, Konrad von Preysing, comentava o ataque frontal desferido contra o regime de Hitler do púlpito da catedral de Münster naquele verão de 1941 por Clemens August von Galen. E não apenas isso. Pio XII concluía a carta ao prelado de Berlim manifestando todo o seu apoio: “Nem é preciso, portanto, que asseguremos expressamente a ti e a teus confrades que bispos que, como o bispo Von Galen, se manifestarem com tamanha coragem e irrepreensibilidade encontrarão sempre apoio em nós”.[2]

A carta do Papa recebeu resposta imediata do bispo de Berlim. Em 17 de outubro, Von Preysing pegou papel e caneta e não hesitou em responder a Pio XII desta forma: “Enche-me de verdadeira alegria o fato de que a ação do bispo Von Galen tenha servido de consolo para o coração de Vossa Santidade”.[3]

Clemens August von Galen

Mas, afinal, qual foi a ação desse bispo ao qual Pio XII envia seu encorajamento e seus aplausos? Quem era Clemens August von Galen? O New York Times, em 1942, em plena guerra, publicou uma série de artigos sobre homens de Igreja que se opunham a Hitler. Em 8 de junho daquele ano, o jornal americano abria a seção intitulada Churchmen who defy Hitler com um artigo sobre o bispo Von Galen, definindo-o assim: “O adversário mais obstinado do programa nacional-socialista anticristão”.

O primeiro biógrafo de Von Galen, o sacerdote alemão Heinrich Portmann, que foi seu secretário particular de 1938 a 1946, chamou a atenção para uma coincidência: “Von Galen governou como bispo por um período de tempo igual ao de Adolf Hitler. Foi consagrado bispo nove meses depois de Hitler subir ao poder e morreu cerca de nove meses depois da morte do Führer”.[4]

Nascido em 1878 no castelo de Dinklage, nos arredores de Münster, Clemens August, conde de Galen, filho de uma família nobre extremamente católica da Vestefália, antes de ser consagrado bispo por Pio XI passou vinte e três anos de seu sacerdócio numa paróquia de Berlim. Mas quando, em 5 de setembro de 1933, Pio XI o nomeou sucessor da cátedra de São Ludgero, os capacetes de aço com as cruzes gancheadas do Terceiro Reich presentes à cerimônia solene de sua posse ainda não imaginavam quanto pano para manga aquele prelado de origem nobre e arraigados sentimentos patrióticos daria a eles. Von Galen foi o primeiro bispo eleito depois da Concordata do Reich, assinada com a Santa Sé em 20 de julho de 1933, e foi um dos primeiros bispos alemães não apenas a intuir e desmascarar com extrema lucidez e firmeza o perigo da ideologia neopagã do nazismo, mas também a denunciar com força e publicamente as violências e as barbáries do terror nazista.

A condenação do “catecismo do sangue”

Nec laudibus nec timor [Nem elogios nem ameaças me distanciarão de Deus]. Esse foi o mote episcopal escolhido pelo imponente prelado alemão. E a intrepidez daquele nec timore logo se demonstrou.

Já dois meses depois de sua consagração, em novembro de 1933, ficou sabendo que o pacto que acabara de ser firmado com o governo não era respeitado e protestou energicamente contra as violações da Concordata. E quando, no início de 1934, Alfred Rosenberg, o principal teórico do nacional-socialismo, nomeado substituto do Führer para a direção espiritual e ideológica do partido, fez com que se difundisse maciçamente seu Mito do século XX, Von Galen, em sua primeira carta pastoral diocesana da Páscoa de 1934, condenou sem reservas a Weltanschauung neopagã do nazismo, evidenciando claramente o caráter religioso dessa ideologia: “Uma nova e nefasta doutrina totalitária que põe a raça acima da moralidade, põe o sangue acima da lei, [...] repudia a revelação, visa a destruir os fundamentos do cristianismo [...]. É um engano religioso. Às vezes esse novo paganismo se esconde até mesmo sob nomes cristãos [...]. Esse ataque anticristão que estamos experimentando em nossos dias supera, enquanto violência destruidora, a todos os outros de que temos conhecimento desde os tempos mais distantes”.[5]

A carta termina com uma admoestação aos fiéis para que não se deixem seduzir por semelhante “veneno das consciências” e convida os pais cristãos a velarem sobre seus filhos. A mensagem pascal caiu como uma bomba e teve um efeito libertador sobre o clero e sobre o povo, dando origem a um eco não apenas na Alemanha mas também no exterior.

Na Páscoa de 1935, outro contragolpe. A teoria racial e o “catecismo do sangue” de Rosemberg estavam de novo na mira do bispo. Von Galen, não podendo se calar perante aberrações tão perigosas para os fiéis, manda anexar ao boletim diocesano um estudo contra O mito do século XX e trabalha para desfavorecer sua difusão. A resposta do regime não se fez esperar. O chefe da Gestapo, Hermann Göring, envia uma circular na qual pede a exclusão do clero do ensino nas escolas. Rosemberg despenca em Münster e pronuncia palavras de fogo contra o bispo, na tentativa de incitar o povo contra ele e liquidá-lo. Mas o povo da Vestefália, na maioria católico, forma uma corrente ao redor de seu bispo; em 8 de julho, as manifestações de solidariedade culminam numa procissão maciça dos fiéis.

     Os acontecimentos de Münster cruzam de novo as fronteiras nacionais e a imprensa estrangeira registra a batalha louvando o comportamento corajoso do bispo alemão: “Se os católicos são acusados de se ocuparem de política, na realidade é o nacional-socialismo que se ocupa de religião”, comenta laconicamente, de Paris, o jornal Le Figaro.[6]

Von Galen em procissão durante a cerimônia de sua ordenação episcopal, em 5 de setembro de 1933

Von Galen não era certamente o único prelado alemão a reagir claramente contra a doutrina do nazismo; já a partir de 1932 os bispos haviam se expressado também colegialmente. Tornaram-se famosos as sermões de 1933 do cardeal Michael von Faulhaber, arcebispo de Munique. Mas, com a ascensão de Hitler ao poder, a Igreja alemã viu-se a enfrentar um regime que, cada vez mais insidiosa e descaradamente, se atribuía o predomínio total no campo religioso e eclesiástico, anulando os direitos civis e humanos. Assim, em poucos anos a Igreja teve de arcar com uma violenta perseguição. Perseguição que se acirrou depois da publicação, solicitada pelos próprios bispos alemães, da encíclica pontifícia Mit Brennender Sorge, em 1937.

     A encíclica de Pio XI, “uma das mais severas condenações de um regime nacional que o Vaticano já havia pronunciado”,[7] foi declarada pelas autoridades nazistas “um ato de alta traição contra o Estado”. Prisões e seqüestros se seguiram a sua difusão. Von Galen, em sua diocese, mandou imprimir 120 mil cópias do texto. Os atos intimidatórios dirigidos contra a sua pessoa aumentaram, mas ao mesmo tempo cresceu o seu prestígio e a grande autoridade moral que fazia dele um ponto de referência reco­nhecido por todos, até pelos judeus. E, às vésperas da guerra, o bispo de Münster, por ter “atacado fortemente as bases e os efeitos do nacional-socialismo”, era registrado na Chancelaria do Reich como um dos mais perigosos adversários do regime.

     Mas foi com os sermões de meados de 1941 que o bispo se tornou famoso em todo o mundo. Ganhando o apelido de “Leão de Münster”.

     “Eu grito: exigimos justiça!”

Sábado, 12 de julho de 1941: o bispo é comunicado da ocupação das casas dos jesuítas que se encontravam na Königstrasse e em Haus Sentmaring. Com o avanço da guerra, os chefes supremos do partido intensificaram o seqüestro de bens das confissões cristãs, e, bem nos dias em que Münster sofrera graves danos em razão dos bombardeios, a Gestapo começou a deportar sistematicamente religiosos e a ocupar e confiscar conventos. Até os conventos das irmãs de clausura foram seqüestrados. Os religiosos e as religiosas, insultados e expulsos.

     O bispo agiu imediatamente. Enfrentou pessoalmente os homens da Gestapo, dizendo a eles que estavam exercendo “um papel infame e vergonhoso”, e chamou-os com muita clareza e franqueza de “ladrões e bandoleiros”. Considerou, então, que chegara o momento de se expressar publicamente. Estava pronto a assumir tudo sobre si, por Deus e pela Igreja, mesmo que isso pudesse custar sua vida. No dia seguinte, depois de preparar a homilia com cuidado, subiu ao púlpito decidido a chamar as coisas pelo nome. “Nenhum de nós está seguro. Mesmo que em sua consciência seja o cidadão mais honesto, ne­nhum de nós está seguro de não ser um dia levado de sua residência, espoliado de sua liberdade, remetido aos campos de concentração da polícia secreta de Estado. Estou consciente de que isso pode acontecer hoje até mesmo a mim...”.[8]

     E não hesitou em desmascarar diante de todos as vis intenções da Gestapo, considerando-a responsável por todas as violações da mais elementar justiça social: “O comportamento da Gestapo traz graves prejuízos a partes muito grandes da população alemã. [...] Em nome do povo alemão honesto, em nome da majestade da justiça, no interesse da paz, [...] eu elevo minha voz na qualidade de homem alemão, de cidadão honrado, de ministro da religião católica, de bispo católico, e grito: exigimos justiça!”.[9]

     Com força e segurança, as frases saíam como trovões da sua boca. Denunciou, com ardor indômito, um por um os “atos infames” e os abusos de que tomou conhecimento. “Os homens e as mulheres”, lembra uma testemunha, “puseram-se de pé, ouviram-se vozes de consenso e até de horror e de indignação, coisa que geralmente é impensável aqui entre nós, na igreja. Vi pessoas romperem em lágrimas”.[10]

Von Galen com os crismandos durante uma visita pastoral a Münster, em 1934

O efeito desse primeiro sermão foi avassalador. No segundo sermão, em 20 de julho, a igreja estava mais que lotada. As pessoas vinham de longe para ouvi-lo. Von Galen, mais uma vez, abriu os olhos para a loucura do projeto buscado pelo poder, que levaria o país à miséria e à ruína, e trovejou outra vez “contra a iníqua, intolerável ação que aprisiona os sacerdotes, expulsa como animais nossos religiosos e nossas queridas irmãs [...], que persegue homens e mulheres inocentes...”.[11]

     Declara vãs todas as iniciativas e súplicas lançadas em favor de tantos cidadãos injustamente ofendidos: “Hoje nós vemos e experimentamos claramente o que está por trás da nova doutrina que há anos nos é imposta: ódio! Ódio profundo, como um abismo, para com o cristianismo, para com o gênero humano...”. [12]

     Mas foi o terceiro sermão, de 3 de agosto, sobre o quinto mandamento, que, pela virulência das palavras, foi julgado pelo Ministério da Propaganda “o ataque frontal mais forte desferido contra o nazismo em todos os anos de sua existência”. O bispo tomara conhecimento pessoalmente do plano de extermínio dos deficientes, dos velhos, dos doentes mentais e das crianças paralíticas nos sanatórios da Vestefália. O plano era mantido em segredo pelos nazistas.

     Comenta uma testemunha: “Só quem experimentou o tempo da ditadura nazista pode medir o significado das seguintes palavras que um bispo ousou pronunciar: ‘Hoje são assassinados, barbaramente assassinados inocentes indefesos; pessoas de outras raças e de proveniências diferentes também são suprimidas. [...] Estamos diante de uma loucura homicida sem igual. [...] Com gente como essa, com esses assassinos que pisam orgulhosos sobre as nossas vidas, eu não posso mais ter comunhão de povo!’**. E aplicava às autoridades do nazismo as palavras do apóstolo Paulo: ‘O Deus deles é o ventre’”.[13]

     Os sermões tiveram enorme difusão e logo deram a volta ao mundo. Foram impressos e lidos em toda parte. Chegaram até aos soldados no front. Basta dizer que as pessoas cobiçavam a tal ponto possuí-los que os sermões se apresentavam como moeda de troca por mercadorias. O povo alemão, cristão e não cristão, os ouvia com enorme gratidão. Pela documentação encontrada entre os destroços de Berlim, vê-se que no inverno de 1941-1942 muitos judeus foram presos pela Gestapo pela difusão dos “sermões subversivos” do bispo de Münster.[14]

     Por esses discursos, todos pensavam, inclusive o bispo, que dentro em pouco ele viria a ser justiçado. O chefe das organizações juvenis da SS publicou esta declaração: “Eu o chamo o porco C. A., ou seja, Clemens August. Esse alto traidor e traidor do País, esse porco está livre e usa a liberdade para falar contra o Führer. Deve ser enforcado”.[15] No entanto, isso não aconteceu.

     O “caso Von Galen” foi minuciosamente discutido pelo Ministério da Propaganda e na Chancelaria do partido. Até o “delfim” de Hitler, Martin Bormann, queria enforcá-lo. Mas o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, aconselhou o Führer que adiasse sua execução, por cálculos de oportunidade política. A tática do regime era não fazer dele um mártir, e matá-lo significaria perder o consenso de parte da população, particularmente dos soldados no front. Os nacionalistas adiavam, assim, “o acerto de contas” com Von Galen para depois da “vitória final”. Só então, declarou Hitler em 4 de julho de 1942, se acertariam as contas com ele, “até o último centavo”.

     O irmão de Von Galen, conde Franz, dá este testemunho: “Mesmo que não tenha sido preso, meu irmão continuava a ser exposto aos ataques, aos abusos e às injúrias dos inimigos da Igreja. Conservou, apesar disso, sua postura ereta e continuou a anunciar a verdade intrepidamente. Um dia, eu lhe perguntei o que tínhamos de fazer caso ele fosse preso. ‘Nada’, foi sua resposta. ‘São Paulo também ficou preso por muitos anos e o Senhor não ti­nha medo de que os pagãos não se convertessem por algum tempo.’ Ele me dizia que as forças diabólicas haviam entrado em ação, mas lembrava também as palavras confortadoras do Senhor: ‘As portas do inferno não prevalecerão sobre a Igreja’”.[16]

     Em outubro de 1956 foi aberto o processo de canonização de Clement August von Galen. Em 20 de dezembro do ano passado, foi promulgado o decreto da heroicidade de suas virtudes, e a causa avança a passos largos para a beatificação.

     “A luta que o bispo Von Galen travou contra aqueles que considerava verdadeiros inimigos da Igreja”, afirma o dominicano alemão Ambrogio Eszer, relator da causa de canonização de Von Galen, “demonstra univocamente que o servo de Deus considerava a defesa da fé como seu mais alto objetivo e dever. Diante do espírito do regime totalitário da época, o bispo Von Galen mostrou uma fortaleza heróica, mas também uma prudência heróica”.

     Pio XII e Von Galen: um laço estreito

Hermann Göring com Joseph Goebbels, em 1936

Pio XII conheceu Von Galen pessoalmente? Eugenio Pacelli havia sido núncio na Alemanha durante doze anos. Primeiramente em Munique, de 1917 a 1925, e depois em Berlim, até 1929.

     “Foi durante a sua permanência em Berlim que Pacelli teve a oportunidade de conhecer Von Galen”, nos explica o jesuíta alemão Peter Gumpel, um dos maiores especialistas em Pio XII e relator de sua causa de canonização. “Já naquela época ele havia formado uma ótima idéia daquele zeloso e audaz pastor de almas, aberto às necessidades sociais de seu tempo.”

     “Von Galen”, explica Gumpel, “era primo de Konrad von Preysing, o homem de confiança de Pio XII na Alemanha. Von Preysing representava certamente a orientação mais firme de oposição ao regime dentro do episcopado alemão. Von Preysing e Von Galen não apenas eram parentes, mas estavam também ligados por uma estreita amizade”. “A consideração e a confiança de Pacelli para com Von Galen, unida às que tinha para com o estimadíssimo Von Preysing”, continua Gumpel, “são, entre outras coisas, testemunhadas também por sua presença em Roma, em janeiro de 1937, para a preparação da encíclica Mit Brennender Sorge. Pacelli, que contribuiu notavelmente para a redação da encíclica de Pio XI, querendo ser amplamente informado da situação alemã, pediu para ouvir o parecer deles, além do dos cardeais alemães”.

Mas a sintonia de Pacelli com o que Von Galen realizava é provada já em 1935, durante a luta contra Rosemberg. Naquela ocasião, o secretário de Estado Pacelli enviou uma severa nota ao Ministério das Relações Exteriores alemão, apelando à base jurídica da Concordata, e o Vaticano apoiou Von Galen em peso, tanto que L’Osservatore Romano, seguindo a vontade do secretário de Estado, tomou abertamente a defesa do bispo de Münster, atacando Rosenberg como “o mais raivoso e sacrílego destruidor do cristianismo”.[17]

Já a respeito dos três famosos sermões, não consta que Von Galen tenha recebido antecipadamente indicações de Pio XII. Von Galen, como atestam os testemunhos do processo, agiu de iniciativa própria, “mas sabia”, afirma Gumpel, “ter o consenso do Papa. Pio XII chegou a explicar sua posição muito claramente, numa carta de 30 de abril de 1943 a Von Preysing. Uma intervenção do Papa, em tempo de guerra, poderia ter sido interpretada como uma tomada de posição contra a Alemanha, com conseqüências negativas para a Igreja, já duramente perseguida, e para o povo alemão. O Papa, portanto, deixava aos pastores locais que avaliassem, nas circunstâncias, a opção e a responsabilidade das decisões. Assim, encorajava os bispos a seguirem a linha assumida pela Santa Sé desde o tempo da encíclica de Pio XI, sem, todavia, impor-lhes que fizessem isso. Até porque não é possível ordenar o martírio”.

Em que medida a intrépida ação do “Leão de Münster” e “a força de seu protesto” tenham sido um consolo para o coração do papa Pacelli é expressado pelo fato de que Pio XII quis ler aqueles famosos sermões pessoalmente até a seus próprios familiares. Isso fica claro nos autos da causa de canonização de Von Galen. Em seu depoimento, o sacerdote Heinrich Portmann, uma das melhores fontes do processo, declara ter tomado consciência desse pormenor por meio de um escrito do bispo de Innsbruck dirigido a Von Galen em 18 de setembro de 1941. Naquele escrito, o bispo de Innsbruck conta que, durante uma audiência no Vaticano, o Papa, manifestando sua profunda veneração pelo bispo de Münster, confidenciou-lhe ter lido suas homilias a seus entes queridos.

     Sim, Pio XII o considerava um herói. Ele o diz explicitamente ao receber alguns sacerdotes da Vestefália em dezembro de 1945. Esse testemunho, fornecido pelo sacerdote Eberhard Brand, está também nos autos: “O Santo Padre nos disse: ‘O bispo Von Galen logo virá a Roma. Depois acrescentou em voz alta: é um herói’”.[18]

Von Galen, da janela do Palácio Episcopal, cumprimenta um grupo de jovens com as bandeiras de suas associações

De resto, o sinal mais eloqüente da alta estima pelos “méritos incalculáveis” adquiridos na forte defesa da Igreja e dos direitos humanos contra a violência do nazismo foi a púrpura cardinalícia, que o próprio Pio XII conferiu a Von Galen em 18 de fevereiro de 1946. Von Galen foi “o verdadeiro herói daquele consistório”, chegou a comentar o arcebispo de Colônia.

     A Rádio Vaticana anunciou a nomeação do bispo de Münster a príncipe da Igreja na véspera de Natal de 1945, ao lado de 32 novos purpurados. Entre eles, outros dois prelados alemães também se haviam destacado no enfrentamento do terror nazista: o arcebispo de Colônia, Joseph Frings, e o bispo de Berlim, Konrad von Preysing. Para o episcopado e o povo alemão, aquelas nomeações eram “a demonstração de que o Papa não estava disposto a participar dos murmúrios de ódio que naqueles tempos surgiam em toda parte contra os alemães”, e ao mesmo tempo eram “o sinal de um prêmio justo para a resistência corajosa que homens como esses tinha dado, cabendo o primeiro lugar entre eles, certamente, ao bispo de Münster”.[19]

     Num relato detalhado da cerimônia solene para a entrega do barrete cardinalício, o sacerdote que fora designado caudatário de Von Galen atesta: “Quando, na entrada dos cardeais em São Pedro, Clemens August apareceu na porta, um murmúrio atravessou a multidão dos presentes: ‘Olha ele aí, é ele’. Sendo que, como caudatário, eu caminhava logo atrás do cardeal, eu podia ouvir o que o povo dizia. Enquanto a sua figura gigantesca atravessava a nave central, elevou-se um furacão de entusiasmo. Os aplausos chegaram ao máximo no momento em que o cardeal subiu para o trono do Santo Padre. ‘Eu o abençôo. Abençôo a sua pátria”, disse-lhe Pio XII. Uma famoso jornal romano escreveu no dia seguinte: ‘Foram particularmente longos e fortes os aplausos ao cardeal Von Galen, o heróico bispo de Münster, propugnador do antinazismo, que o Papa manteve junto si claramente por mais tempo do que os outros’”.[20]

A imprensa, portanto, relatava o que naquele momento era evidente para todos: Von Galen era o símbolo daquela outra Alemanha que não se deixara uniformizar. E reconhecia na conferição da dignidade cardinalícia “uma homenagem àquele defensor viril da verdade cristã e dos direitos inalienáveis do homem que no Estado totalitário tinham de ser estirpados”.[21] Era o que escrevia o semanário alemão Die Zeit no dia seguinte a sua morte, que aconteceu apenas um mês depois do recebimento da púrpura, definindo Von Galen “um combatente pela justiça, um grande benfeitor da humanidade”. Uma multidão de mais de cinqüenta mil pessoas participou de seu funeral em Münster.

Quando o último embaixador do Reich no Vaticano, Ernst von Weizsäcker – que, tendo-se retirado da vida política, ainda vivia em Roma em 1946 –, enviou à Santa Sé as condolências pela morte de Von Galen, o então substituto na Secretaria de Estado, Giovanni Battista Montini, em 28 de março de 1946 agradeceu a ele em nome de Pio XII com estas palavras: “Com a morte desse prelado, seu país perdeu uma das maiores personalidades de nosso tempo”.

     E Pio XII escreveu: “Você tem todo o meu apoio”

Um dos últimos retratos de Von Galen antes de sua morte, ocorrida em 22 de março de 1946

Mas isso não é tudo. Existem também outros documentos que mostram e assinalam com clareza a relação de estima e sintonia entre o Pio XII e o “Leão de Münster”: a correspondência entre eles. Consta nos documentos do Arquivo Secreto Vaticano que Pio XII enviou cartas diretamente a Von Galen.

     Quatro dessas cartas escritas pelo Papa em língua alemã estão contidas no segundo volume dos Actes et documents du Saint Siège relatifs à la Seconde guerre mundiale, a obra monumental em 11 volumes e 12 tomos organizada por estudiosos jesuítas que reúne a documentação da Secretaria de Estado e do Arquivo Secreto Vaticano concernentes àqueles anos. Obra que, como se sabe, foi desejada por Paulo VI, quando, no início da década de 1960, fez com que se abrisse antecipadamente a consulta aos Arquivos Vaticanos depois do crescimento da lenda negra que se construiu em torno da figura de seu predecessor. As cartas enviadas ao bispo de Münster trazem estas datas: 12 de junho de 1940; 16 de fevereiro de 1941; 24 de fevereiro de 1943; 26 de março de 1944.

     Nessa correspondência, Pio XII sublinha mais de uma vez sua gratidão, a convergência de visões e o apreço pelo que realizara o prelado alemão. Na carta de 24 de fevereiro de 1943, por exemplo, ao exprimir-lhe sua viva “consolação” todas as vezes que chegava “a seu conhecimento uma palavra clara e corajosa da parte de um bispo”, insiste também em assegurar-lhe quanto ao fato de que os bispos que agem com “intervenções resolutas e corajosas em favor da verdade e do direito e contra a injustiça não trazem dano à reputação de seu povo no exterior”, mas, pelo contrário, “são um benefício para ele”, mesmo que alguém venha a acusá-los do contrário. Além disso, Pio XII agradece expressamente a Von Galen por ter “preparado”, com suas cartas pastorais, o terreno para sua Mensagem de Natal de 24 de dezembro de 1942. Mensagem que agradou ao New York Times pelas “palavras claras em defesa dos judeus” e por ter “denunciado ao mundo o massacre de tantos ino­centes”; e cuja divulgação, na Alemanha, foi considerada pelas altas patentes do Reich “um crime contra a segurança do Estado, passível de pena de morte”.[22]

     Os textos dessas cartas importantes (duas das quais, ao lado da carta a Von Preysing, são aqui apresentadas aos leitores) nunca haviam sido traduzidas e publicadas integralmente na língua materna de Pio XII.

A longa procissão durante os funerais nas ruas de Münster, destruída pelos bombardeios

A importância dessas cartas é tanto mais decisiva quanto mais se considera o contexto em que estão compreendidas. As cartas a Von Galen fazem parte de um corpus de 124 missivas enviadas por Pio XII aos prelados alemães ao longo dos anos de 1939 a 1944. O motivo dessa correspondência foi expresso pelo próprio Pio XII aos quatro cardeais de língua alemã que foram a Roma em março de 1939 por ocasião do conclave que o elegeu papa. Depois do conclave, os cardeais prolongaram sua estada na Cidade Eterna para examinar com o novo Pontífice a situação da Igreja na Alemanha, situação que o Papa havia acompanhado de perto, primeiramente como núncio e depois como secretário de Estado. A eles, portanto, diz assim: “A questão alemã, para mim, é a mais importante. Eu me reservo tratar dela pessoalmente”.[23]

     Assim, Pacelli, abrindo uma exceção, convidou os cardeais, e, por meio deles, o episcopado, a escrever-lhe diretamente. Em sua primeira carta ao episcopado alemão, de 20 de julho de 1939, Pio XII, com espírito comovido, lembrou os anos que passou na Alemanha e as relações que ainda conservava lá: “...pois isso nos permitiu ter hoje, da situação, dos sofrimentos, das tarefas, das necessidades dos católicos na Alemanha aquele conhecimento aprofundado que só pode nascer da experiência pessoal direta e prolongada ao longo de muitos anos”.[24]

     Com o início da guerra, essas relações diretas iriam se tornar ainda mais preciosas. Convidando-os a escrever-lhe, o Papa lhes mostrava que a nunciatura de Berlim possuía uma via segura de correspondência com Roma. A correspondência, que foi mantida até o último ano da guerra, mostra como os bispos se serviram amplamente dessa possibilidade que lhes era oferecida extraordinariamente de se comunicar com o chefe da Igreja, enviando regularmente ao Papa todas as informações possíveis, anexando a elas as cópias dos documentos mais importantes.

     As Lettres de Pie XII aux évêques allemands, documentos conhecidos dos estudiosos, continuam, no entanto, ainda desconhecidos da maioria. Mesmo assim, as declarações contidas nessas cartas são de importância capital para compreender não apenas a resistência católica na Alemanha, o estado de perseguição sob o nazismo e a posição do episcopado alemão, com muita freqüência considerado, erroneamente, filonazista, mas também, como explica o jesuíta padre Pierre Blet em seu Pio XII e la Seconda guerra mondiale negli Archivi vaticani, “constituem um documento excepcional do pensamento de Pio XII, de suas intenções e de sua obra”.[25] Intenções e pensamento comuns àquele que, sem temor, tinha ousado gritar na cara dos nazistas: “Não posso ter comunhão de povo** com assassinos que justificam a morte de inocentes. [...] O Deus de vocês é o ventre”.

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     NOTAS:

    [1] Carta de Pio XII ao bispo de Berlim; veja, aqui, à p. 50.

    [2] Ibidem.

    [3] “Lettres de Pie XII aux évêques allemands”, in Actes et documents du Saint Siège relatifs à la Seconde guerre mondiale, Cidade do Vaticano, 1967, vol. II, nota à p. 229.

    [4] Positio super virtutibus beatificationis et canonizationis servi Dei Clementis Augustini von Galen, vol. I, Summarium, p. 427.

    [5] C. A. Graf von Galen, Un vescovo indesiderabile. Le grandi prediche di sfida al nazismo, organizado por R. F. Esposito, Pádua, 1985, p. 47.

    [6] Le Figaro, 28 de julho de 1935.

    [7] A. Rhodes, Il Vaticano e le dittature. 1922-1945, Milão, 1973, p. 211.

    [8] C. A. Graf von Galen, Un vescovo indesiderabile, op. cit., p. 122.

    [9] Id., ibid., p. 122.

    [10] Positio..., op. cit., vol. I, Summarium, p. 418.

    [11] C. A. Graf von Galen, Un vescovo indesiderabile, op. cit., p. 128.

    [12] Id., ibid., p. 129.

    [13] Positio..., op. cit., vol. I, Summarium, p. 422.

    [14] A respeito da relação do bispo de Münster com os judeus, consultem-se as biografias de Von Galen: Max Bierbaum, Nicht Lob nicht Furcht, Münster, 1974; Joachim Kuropka, Clemens August Graf von Galen. Neue Forschungen zum Leben und Wirken des Bischofs von Münster, Münster, 1992.

    [15] R. A. Graham, “Il ‘Diritto di uccidere’ nel Terzo Reich – Preludio al genocidio”, in: La Civiltà Cattolica, 15 de março de 1975, vol. I, p. 154.

    [16] Positio, op. cit., vol. I, Summarium, p. 65.

    [17] L’Osservatore Romano, 10 de julho de 1935.

    [18] Positio, op. cit., vol. II, Documenta, p. 505.

    [19] Neue Westfälische Zeitung, 28 de dezembro de 1945.

    [20] Positio, op. cit., vol. II, Documenta, p. 507.

    [21] Die Zeit, 28 de março de 1946.

    [22] G. Sale, Hitler, la Santa Sede e gli ebrei. Con i documenti dell’Archivio segreto vaticano, Milão, 2004, p. 221.

    [23] Pierre Blet, Pio XII e la Seconda guerra mondiale negli Archivi vaticani, Cinisello Balsamo, 1999, p. 81.

    [24] Id., ibid., p. 79.

    [25] Id., ibid., p. 83.

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* Artigo publicado na revista 30DIAS em agosto de 2004:

     http://www.30giorni.it/br/articolo.asp?id=4220

* * Comunhão de povo: comunhão social.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Ainda existem católicos alemanha?

Nota: Depois do Cardeal Kasper que nega a ressurreição de Nosso Senhor e do Cardeal Lehmann, que se nega a acreditar na Igreja… eis que surge da Conferência Negacionista Episcopal Alemã (que negou na declaração de Königstein, a Encíclica Humanae Vitae de Paulo VI),  Mons. Zollist, para negar o dogma da redenção. As perguntas que não querem calar:

Ainda existe na Alemanha algum fiel católico?

Se existem, porque aceitam ter no mais alto cargo eclesiástico alemão, um mentiroso apóstata?

Por fim, não há como não lembrar o caso de Dom Willianson. Na ocasião apresentaram suas declarações reducionistas como negacionistas. Agora aparece um sujeito que reza o credo nas Missas, mas o nega publicamente em declarações que demonstram apenas que ele é um mentiroso, e ninguém faz nada.

Contra os Bispos negacionistas da fé católica, nada é feito e ninguém (absolutamente ninguém se mobiliza para confirmar-lhe a excomunhão) , mas contra um Bispo que fez declarações reducionistas sobre o holocausto que é matéria história, o re-excomungam da Igreja.

Palmas para o indiferentismo religioso fruto do Concílio Vaticano II!

Abaixo segue a notícia disponibilizada no Fratres in Unum

 

Escândalo: Presidente da Conferência Episcopal Alemã nega dogma da Redenção.

Mons. Robert Zollitsch(kreuz.net) Para o Presidente da Conferência Episcopal Alemã, que apostatou da Fé Católica, a crucifixão de Cristo é mais um apoio psicológico no sofrimento.  No Sábado de Aleluia, o Arcebispo de Freiburg e Presidente da Conferência Episcopal Alemã, Mons. Robert Zollitsch, negou a morte expiatória de Cristo.  O Arcebispo Zollitsch fez essa afirmação em uma entrevista com Meinhard Schmidt-Degenhard para o programa “Horizente” do Canal de TV alemão ‘Hessischer Rundfunk’. Cristo “não teria morrido por causa dos pecados da humanidade, porque Deus tivesse precisado de uma vítima expiatória, um bode expiatório, por assim dizer”, disse o Arcebispo. O Salvador teria simplesmente se “solidarizado” com o sofrimento das pessoas até a morte. Ele teria mostrado que também o sofrimento e a dor seriam aceitos por Deus. Para Mons. Zollitsch isso significa “essa grande perspectiva, essa solidariedade imensa”, que vai tão longe que ele sofre “junto” comigo. Schmidt-Degenhard dá uma alfinetada: O senhor não diria mais que Deus efetivamente deu seu único Filho porque as pessoas pecaram? Essa expressão não seria mais formulada?” O Arcebispo Zollitsch confirmou a sua apostasia da Fé Católica com um sonoro “Não”: “Ele se envolveu comigo por solidariedade – de livre e espontânea vontade.” Assista a entrevista aqui.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Fixados os termos das discussões doutrinárias entre Roma e a FSSPX.

Por Frates in Unum.com

O Bispo Richard Williamson, um dos quatro bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, informa em seu blog que Dom Bernard Tissier de Mallerais confirmou em Paris que já foram estipulados os termos para as discussões doutrinais a serem conduzidas entre a Fraternidade São Pio X e as autoridades eclesiásticas em Roma.

Segundo Dom Williamson, as negociações que se darão por escrito não se tornarão públicas.

Conforme noticiado no bem-informado Rorate Caeli, Dom Tissier de Mallerais foi um dos quarto membros da comissão informal organizada pela Santa Sé e a FSSPX nas negociações de 1988, (os outros foram os Padre Patrice Laroche, também nomeado pela FSSPX através do Arcebispo Lefebvre, e o Pe. Tarcisio Bertone dentre os demais membros nomeados pela Santa Sé através do Cardeal Ratzinger).

Dom Williamson afirma que, pelo menos, subjetivamente, tanto o Papa quanto a Fraternidade têm boa vontade em relação um ao outro. Entretanto, o bispo crê que, objetivamente, é impossível reconciliar a religião do homem [instaurada pelo Concílio Vaticano II) com a religião de Deus (Tradição).

Oremos! Que o Espírito Santo ilumine e conduza os participantes dessas discussões doutrinárias.

domingo, 19 de abril de 2009

SANTO INÁCIO DE LOYOLA

J. M. S. Daurignac

SANTO INÁCIO DE LOYOLA

Fundador da Companhia de Jesus

PRIMEIRA PARTE

CORTESÃO E GUERREIRO

(1491 - 1522)

I. INFÂNCIA E JUVENTUDE

D. Beltrão Yánez de Onaz y Loyola, descendente duma das mais ilustres e das mais antigas famílias da Biscaia, havia esposado D. Marina Sáenz de Licona y Balda, que pertencia à mesma província e cujo nascimento e virtudes a tornavam digna desta nobre aliança.

Deus havia-lhe dado já sete filhos e três filhas quando Inácio veio ao mundo, pelos anos de 1491[1], no castelo de Loiola, artigo solar da família [2]. Sabendo que era mãe dum oitavo filho, D. Marina ergueu os olhos ao céu, e lançando-os em seguida para seu marido, disse-lhe:

- Deus queira que este querido filho tenha disposições menos belicosas que seus irmãos, e que possamos educa-lo e conserva-o a nosso lado.

- Oxalá, - respondeu Beltrão - que este tenha gosto pelo estudo.

- Deus o queira ! - repetiu a nobre castelã - mas não me acostumarei a essa idéia, porque tenho muitas vezes espetado em vão.

O filho predestinado foi baptizado na igreja de S. Sebastião, sua freguesia [3], em Azpeitia, e não levou muito tempo a demonstrar que sua mãe tivera razão em não confiar nas pacificas inclinações, que tanto desejava nele.

Desde os primeiros anos, Inácio mostrou-se mais vivo, mais turbulento, mais arrebatado ainda que seus irmãos; e, apesar das suas ratas qualidades de espirito e de coração, foi impossível acadimá-lo ao estudo. Não ouvindo falar senão de cercos e de assaltos, de batalhas e de vitórias, de altos feitos e de brilhantes renomes, cresceu com o desejo de cingir um dia uma espada e de se distinguir por sua vez em proezas guerreiras.

O duque de Nájera, que gozava de grande favor na corte e era próximo parente de D. Beltrão, tinha afeto paternal a Inácio. A natureza franca, o coração leal, a alma ardente e generosa deste menino tinham para ele os maiores encantos; até os seus arrebatamentos e a sua altivez precoce lhe não desagradavam.

- Bravo! rapaz, - lhe dizia algumas vezes - a historia militar de Espanha há-de registar um dia o teu nome.

- Ah! - murmurava docemente D. Marina - não repara, senhor duque, no coração da pobre mãe De todos os meus filhos, não terei a consolação de conservar nenhum junto de mim. O mais velho já está exposto a todos os perigos da guerra` - e os outros seguir-lhe-ão brevemente o exemplo.

- Compreendo a sua dor e solicitude - lhe dizia o duque; mas, em Espanha como em França, nobreza obriga.

D. Marina não chegou a experimentar a dor que tanto temia. Deus não tardou a chamá-la a Si, e Inácio foi confiado a sua tia, D. Maria de Guevara, que habitava Arévalo, perto de Avila, e que o educou como se fora seu filho. Alguns anos mais tarde, o duque de Najera, seu tio, grande de Espanha, fê-lo admitir na escola dos pajens do rei [4].

Fernando, o Católico, encantado com a sua graça, inteligência e beleza, testemunhou-lhe desde logo uma preferência, que le atraiu a dos cortesãos. A vaidade do belo pajem cresceu um pouco, mas dominando esta fraqueza a nobreza do meu coração e a delicadeza dos seus sentimentos, soube fazer-se amar de todos, até daqueles que o invejavam.

Terminada a sua educação, Inácio de Loiola não abandonou a corte. Ausentava-se de tempos a tempos para fazer os seus primeiros ensaios na carreira das armas sob a direção do duque de Najera, mas voltava após cada campanha e fixava a sua residência na corte. Um interesse do coração o atraía no palácio dos soberanos: Inácio rendia homenagens a uma princesa, de que a história nos oculta o nome, e não era repelido [5]. Mas a distância não podia ser transposta: Inácio não podia esperar uma aliança com uma princesa de sangue; limitava-se, por isso, a usar as suas cores e dar por vezes uma cutilada àqueles que ousavam falar da sua temeridade ou recusar à princesa a palma da formosura.

Entretanto Carlos V tinha sucedido a Fernando, o Católico; a guerra havia rebentado no exterior em alguns pontos ao mesmo tempo; e, no interior, as principais províncias de Espanha, ciosas da sua antiga independência, tentavam reconquistá-la com as armas na mão. Este estado de rebelião contínua exigia, em diversos lugares, a presença dum exército forte e aguerrido, dirigido por oficiais distintos e de experimentada fidelidade. O Duque de Nájera, D. António Manrique, comandava um desses corpos de exército.

Inácio continuava na corte, e, se se batia, era em duelo, todas as vezes que se lhe oferecia ocasião.

Um dia recebem-se no palácio notícias do exército de Nápoles e sabe-se que os filhos de Beltrão de Oñaz se distinguem com igual valor. Inácio envergonha-se da sua inação e pede ao duque de Nájera uma companhia de homens de armas, que ele se propõe conduzir à vitória. A sua ardente e poética, imaginação sonha com a glória de se assinalar também com esplendor e de voltar em seguida a depor aos pés da princesa, de que se constituiu cavaleiro, os louros colhidos no campo da honra. D. Antônio acede com alegria ao desejo do seu sobrinho, dá-lhe uma companhia no corpo que está sob suas ordens, e D. Inácio abandona a corte, prometendo não entrar lá de novo senão como vencedor. Tinha então vinte e seis anos.

Neste momento os castelhanos caiam sobre a Biscaia e acabavam de se apoderar de Nájera. D. Antônio Manrique marcha sobre aquela cidade e põe-lhe cerco; Inácio acompanha-o. Os sitiados defendem-se tão vigorosamente como são atacados; têm provisões consideráveis e receia-se que o cerco seja assaz longo. Inácio, que já tinha mostrado prodígios de coragem, de inteligência e de habilidade, fala aos seus soldados, excita-lhes o ardor, é o primeiro a subir ao assalto e toma a praça no meio dos aplausos do exército. Esta glória não lhe basta: a cidade é entregue à pilhagem, a mais rica parte do saque é para o jovem capitão, cuja valentia decidiu da vitória; o nosso herói recusa-a e abandona-a à sua companhia. Este duplo rasgo de desinteresse e de generosidade é acolhido por aclamações entusiásticas dos oficiais e dos soldados.

Inácio de Loiola era certamente sensível aos testemunhos de estima e admiração que recebia; mas somos forçados a confessar que, no meio deste triunfo, um pensamento o preocupava singularmente. Era compor uns versos destinados a oferecer aquela gloriosa vitória à princesa, cujas cores usava: assim o pediam os costumes da época e o uso da corte onde Inácio fora educado.

Depois da pacificação de Castela, Inácio voltou a Valência e achou a mais bela recompensa nos elogios que lhe fizeram nas felicitações que recebeu. Depois de longa permanência na sorte, abandonou-a de novo para se dirigir aonde a honra o chamava

Sendo D. Antônio Manrique, vice-rei de Navarra, obrigado a Ir tomar posse do seu governo, Inácio seguiu-o com uma parte dos seus homens de armas. Não levou muito tempo que um correio não viesse anunciar a D. Antônio que o Conde de España, André de Foix, marchava sobre a Espanha, à frente dum corpo de exército considerável.

O vice-rei dirigiu-se a toda a pressa à província de Castela pata procurar ali um reforço de tropas navarras, e deixou o comando das tropas de Pamplona a seu sobrinho, no momento em que os franceses desciam os Pirenéus para reconquistar a Navarra espanhola em nome de Henrique de Albret.

sábado, 18 de abril de 2009

CAPITULO X A CAUSA DO MAL É O BEM

1. Do exposto depreende-se que o mal não é causa­do senão pelo bem.

Com efeito, se o mal é causa de um mal, e como o mal não opera senão em virtude do bem, como foi pro­vado (c. prec.), é necessário que o próprio bem seja cau­sa do mal.

2. Além disso, o que não é, não é causa de coisa al­guma. Por isso, a causa deve ser um ente. Ora, o mal não é ente algum, como foi provado (c. VII). Logo, é ne­cessário que, se o mal é causado por alguma coisa, o seja pelo bem.

3. Além disso, tudo que é propriamente e por si mesmo causa de alguma coisa, tende para o seu próprio efeito. Por conseguinte, se o mal fosse por si mesmo causa de alguma coisa, tenderia para o seu próprio efei­to, que é o mal. Mas isto é falso, pois foi demonstrado acima (c. III) que todo agente tende para o bem. Por is­so, se o mal por si mesmo não é causa de coisa alguma, o é somente por acidente. Ora, toda causa acidental re-duz-se à causa por si mesma, e só o bem pode ser causa por si mesmo, mas o mal não o pode. Logo, o mal é cau­sado pelo bem.

4. Além disso, a causa ou é matéria, ou forma, ou agente ou fim. Ora, o mal não pode ser matéria, nem forma, pois acima foi demonstrado (c. VII) que o ente em ato e o ente em potência são bons. De modo seme­lhante, também não pode ser agente, porque a coisa opera segundo está em ato e tem forma. Nem o mal po­de ser fim, porque está fora da intenção, como acima foi provado (c. IV). Por isso, o mal não pode ser causa de coisa alguma. Logo, se uma coisa é causa do mal, deve ser causada pelo bem.

5. Ora, sendo o mal e o bem opostos, e como um dos opostos não pode ser causa do outro a não ser aci­dentalmente, como, por exemplo, quando se diz que o frio aquece como diz o Filósofo (VIII Física l, 251a; Cmt 2, 977), resulta que o bem não pode ser causa ativa do mal, a não ser acidentalmente.

Ora, essa acidentalidade nas coisas naturais pode vir tanto da causa agente, como do efeito. Da parte do agente, quando o agente é sujeito de um defeito na potência, resultando disso ser a ação defectiva e o efeito falho, como, por exemplo, quando o órgão digestivo está fraco e produz uma digestão fraca e uma indisposição, que são males da natureza. Mas acontece no agente, en­quanto opera, que tenha defeito na potência. Então não opera segundo a deficiência de potência, mas enquanto tem algo ainda de potência, pois, se a potência se lhe fa­lha totalmente, não agiria de modo algum. Assim, o mal é causado acidentalmente pelo agente, quando este tem deficiências na potência. Por esse motivo diz-se que o mal não tem causa eficiente, mas deficiente. Com efeito, o mal não resulta da causa agente, senão enquanto ela está com deficiência na potência. Assim, ela não é causa eficiente.

Chega-se ao mesmo resultado se a falha da ação e do efeito provém da falha existente no instrumento, ou em qualquer coisa exigida para a ação do agente, como, por exemplo, quando a potência motora leva uma pes­soa a claudicar por causa da tíbia torta, porque o agente opera por meio da potência e do instrumento.

Da parte do efeito, o mal é causado acidentalmente pelo agente, quer devido à matéria do efeito, quer devi­do à forma do mesmo. Ora, se a matéria não está prepa­rada para receber a impressão do agente, haverá neces­sariamente falha no efeito, como, por exemplo, o parto de um monstro, provindo de matéria não disposta. Nem isto é imputado à falha do agente, se a matéria indispos­ta não chega a ato perfeito, pois a cada agente material a potência está limitada segundo o modo da sua natureza.

E se não a excede, por isso não será falho na potência, mas somente se ficar aquém da medida da potência que lhe é devida naturalmente.

Da parte da forma do efeito, porém, o mal so­brevêm acidentalmente quando a uma forma se une ne­cessariamente a privação de outra forma, pelo que, con-juntamente com a geração de uma forma, deve vir a cor­rupção de outra. Este mal não é um mal do efeito que estava na intenção do agente, porém, de outra coisa, como se depreende do que foi exposto acima (c, VI).

Por isso, nas coisas naturais, é acidente que o mal sempre é causado pelo bem. Coisa semelhante acontece nas coisas artificiais, pois a arte imita a natureza na sua operação (II Física 2, 194a; Cmt 4, 170s), e há igualmen­te defeitos em ambas.

6. Em moral, porém, parece que as coisas apresen­tam-se de modo diferente.

Com efeito, não parece que o vício moral resulte do defeito da virtude, porque a fraqueza da virtude afasta totalmente, ou, pelo menos, diminui o vício moral. Com efeito, a fraqueza não merece o castigo devido à culpa, mas, antes, a misericórdia e o perdão. Isso porque, para haver vício moral, este deve ser voluntário, e não ne­cessário. Todavia, se se considera atentamente, é seme­lhante, em certo sentido, e dissemelhante em outro. Dissemelhante, enquanto o vício moral é considerado só na operação e não no efeito, pois as virtudes morais não são operativas, mas ativas. As artes, no entanto, são operativas. Por isso se diz que há nelas defeito, como há na natureza. Por isso, também, o mal moral não se con­sidera segundo a matéria ou segundo a forma do efeito, mas somente segundo o agente.

Nas ações morais há quatro princípios ativos orde­nados, dos quais um é virtude, isto é, a força motora pe­la qual os membros são movidos a fim de executar o que é mandado pela vontade. Por isso, esta força é movida pela vontade, que é outro princípio. Ora, a vontade é movida pelo juízo da potência apreensiva, que julga se as coisas são boas ou más, as quais são objeto da própria vontade, umas para serem desejadas; outras, porém, pa­ra serem afastadas. Mas a própria potência apreensiva é movida pela coisa apreendida. Por isso, o primeiro princípio ativo das ações morais é a coisa apreendida; o segundo princípio, a potência apreensiva; o terceiro, a vontade; e o quarto, a força motora, que executa o impé­rio da razão.

Mas o ato da virtude executora pressupõe o bem ou o mal moral, porque estes atos externos pertencem à moral enquanto são voluntários. Por isso, se o ato da vontade é bom, o ato exterior também o é. Se, porém, é mau, este também o é. Não haverá malícia moral algu­ma, se o ato exterior falhar por um defeito não ligado à vontade, pois, por exemplo, o claudicar não é vício mo­ral, mas defeito natural. Por conseguinte, o defeito desta virtude executora afasta totalmente ou, pelo menos, di­minui o vício moral.

Porém, o ato pelo qual a coisa move a potência apreensiva está imune de vício moral, pois o visível move a vista segundo a ordem natural, e qualquer objeto, a potência passiva. Carece também de vício moral o ato da potência apreensiva, considerado em si mesmo, porque o seu defeito, ou escusa do vício moral, ou diminui, co­mo também o defeito da virtude executora. Igualmente, a fraqueza e a ignorância escusam do pecado, ou o di­minuem. Resulta, pois, que o vício moral encontra-se, em primeiro lugar, e principalmente, só no ato da von­tade. E com razão, porque o ato é dito moral porque é voluntário. Logo, deve buscar-se a raiz e a origem do pecado moral no ato da vontade.

7. No entanto, parece que a esta indagação segue-se uma dificuldade. Com efeito, visto que o ato da potência defeituosa resulta de um defeito do princípio ativo, de­ve-se conhecer o defeito da vontade anterior ao pecado moral. Defeito este que, se for natural, inere sempre à vontade. Por isso, a vontade pecará moralmente no agir, o que, no entanto, é falso, como manifestam os atos da virtude. Ora, o defeito voluntário já não será pecado moral, cuja causa deve ser de novo procurada e, desse modo, a razão procederá ao infinito. É, por conseguinte, necesário dizer que o defeito anterior da vontade não é natural, para que não resulte que a vontade peque em cada ato. E que também não é casual e fortuito, pois, então, não haveria em nós pecado moral, já que as coi­sas casuais não são premeditadas e estão fora da razão. Logo, é voluntário, mas não pecado moral, para que não entremos em processo ao infinito.

8. Como, no entanto, isso possa ser, deve-se agora considerar.

Com efeito, a perfeição de qualquer princípio de potência depende de um princípio superior, pois o agen­te segundo opera em virtude do primeiro. Como o agen­te segundo permanece dependente do primeiro, opera indefectivelmente. Mas terá defeito na operação se acontecer eximir-se da subordinação ao primeiro agen­te, como se verifica no instrumento que se desliga do movimento do agente. Foi dito que, na ordem das ações morais, dois princípios precedem a vontade, a saber, a potência apreensiva e o objeto apreendido, que se iden­tifica com o fim. Ora, se cada movido corresponde ao movente próprio, não é qualquer potência apreensiva o devido movente de qualquer apetite, mas para cada ape­tite há a potência apreensiva adequada. Assim, como o movente próprio do apetite sensitivo é a potência apre­ensiva sensitiva, também o movente próprio da vontade é a própria razão.

9. Além disso, como a razão pode apreender muitos bens e muitos fins, e cada coisa tem o seu fim próprio, também será o fim e o primeiro movente da vontade, não qualquer bem, mas um bem determinado. Por isso, como a vontade tende para o seu ato movida pela apre­ensão da razão, que lhe apresenta o seu próprio bem, segue-se a ação devida. Mas quando a vontade ao agir precipita-se para o objeto de uma potência sensitiva apreensiva, ou para o da própria razão, que lhe apresen­ta um bem diverso do que lhe é próprio, segue-se, então, o pecado moral na ação da vontade.

Na vontade, pois, o defeito da ordenação à razão e ao devido fim precede o pecado da ação. Há defeito de ordenação à razão, quando a vontade, por causa de uma súbita apreensão do sentido, tende para o bem deleitá-vel sensível; ao fim devido, quando a razão leva o ra­ciocínio a um bem que não é um bem naquele momento, ou daquele modo, mas a vontade se inclina para ele co­mo se fosse o seu bem próprio. Este defeito de orde­nação é voluntário, pois está no poder da vontade o que­rer e o não querer. E também está no seu poder que a razão considere no momento, ou deixe de considerar, ou que considere esta ou aquela coisa. No entanto, esta úl­tima falha não é mal moral, pois, se a razão não conside­ra coisa alguma, ou se considera um bem qualquer, isto ainda não é pecado enquanto a vontade não se inclinar para o fim indevido, o que já é ato voluntário.

10. Por conseguinte, quer nas coisas naturais, quer nas coisas morais, é evidente que o mal não é causado pelo bem, senão acidentalmente.

Suma Contra os Gentios

Santo Tomás de Aquino

domingo, 12 de abril de 2009

Canto Gregoriano para Páscoa

nota: percebi que este tocador de mp3 aqui usado não é carregado direito no Internet Explorer. Recomendo usar o Firefox.

Intróito para Domingo de Páscoa (Modo 4)


Resurrexi et adhuc tecum sum, alleluia: posuisti super me manum tuam, alleluia: mirabilis facta est scientia tua, alleluia, alleluia.
Ps. Domine probasti me, et cognovisti me: tu cognovisti sessionem meam et resurrectionem meam. Gloria patri . . .



Gradual para Domingo de Páscoa (Modo 2)

Haec dies, quam fecit Dominus: Exsultemus, et laetemur in ea. Confitemini Domino, quoniam bonus: quoniam in saeculum misericordia ejus.



Aleluia para Domingo de Páscoa (Modo 7)

Alleluia, alleluia. Pascha nostrum immolatis est Christus.



Sequência para Domingo de Páscoa (Modo I)

Victimae Paschali laudes immolent Christiani.
Agnus redemit oves: Christus innocens Patri
reconciliavit peccatores.
Mors et vita duello conflixere mirando: dux
vitae mortuus regnat vivus.
Dic nobis Maria, quid vidisti in via?
Sepulcrum Christi viventis et gloriam vidi
resurgentis.
Angelicos testes, sudarium et vestes.
Surrexit Christus spes mea: praecedet suos
in Galilaeam.
Scimus Christum surrexisse a mortuis vere:
tu nobis, Victor Rex miserere. Amen. Alleluia.



Ofertório para Domingo de Páscoa (Modo 4)

Terra tremuit, et quievit, dum resurgeret in
judicio Deus, alleluia.



Comunhão para Domingo de Páscoa (Modo 6)

Pascha nostrum immolatus est Christus, alleluia: itaque epulemur in azymis sinceritatis et veritatis, alleluia, alleluia, alleluia.




Antífona para Domingo de Páscoa em louvor a Maria (Modo 6)


Regina caeli laetare, alleluia.
Quia quem meruisti portare,
alleluia. Resurrexit, sicut dixit
alleluia: ora pro nobis Deum,
alleluia.

Sermão da Ressurreição de Cristo Senhor Nosso*

Pe Antônio Vieira

 

Valde mane una sabbatorum, veniunt ad monumentum, orto jam Sole, Marc. XVI.

I

Quem mais ama, mais madruga. Assim o fez nesta manhã o divino amante Cristo, continuando os desvelos do seu amor: e assim o devemos nós fazer todos os dias, para não faltar às correspondências do nosso. Nestas duas palavras tenho proposto tudo o que hei-de dizer. E porque não hei-de dizer graças, peçamos a graça. Ave Maria.

II

Quem mais ama, mais madruga. O amor nasce nos olhos, e quem o pintou com os olhos tapados, devia de ser cego. Esse amor, quando muito, será o pintado, o amor vivo e o verdadeiro sempre está com os olhos abertos, porque sempre vela. Quem tirou o véu ao amor, esse lhe descobriu a cara, porque o mostrou desvelado. Não me estranheis o equívoco, que em manhã tão alegre e tão festiva, até os Evangelistas o usaram, como logo vereis. Torno a dizer, que é grande madrugador o amor, porque quem tem cuidados não dorme. A filosofia deste porquê não é menos que de Platão, a quem chamaram o divino: Inquieta res est amor: parum diligis, si multum quiesces: O amor é um espírito sempre inquieto, e quem aquieta muito, sinal é que ama pouco. Vistes alguma hora quieta ou ardendo na cera, ou em outra matéria menos branda, uma labareda de fogo? Jamais. Sempre está inquieta, sempre sem sossegar, sempre tremendo, e não de frio. E porque o amor não sabe aquietar, por isso não pode dormir. Talvez adormecerão os sentidos, mas o amor sempre vela, porque sempre lhe faz sentinela o coração: Ego dormio, et cor meum vigilat. Um dos mais insignes amadores do mundo foi Jacob. E que dizia este famoso amador? Fugiebat somnus ab oculis meis: Diz que fugia dos seus olhos o sono. A campanha em que o amor e o sono se dão as batalhas, são os olhos, e nos olhos de Jacob estava tão costumado o amor a ser vencedor, e o sono a ser vencido, que não se atrevia o sono a lhe acometer os olhos, antes fugia deles: Fugiebat somnus ab oculis meis. E como o maior despertador dos sentidos e dos cuidados é o amor, cujas asas, e as do desejo, voam mais que as do tempo; daqui vem que para quem espera pela manhã, as estrelas são vagarosas, os galos mudos, as horas eternas, a noite não acaba de acabar, e por isso, como dizia, quem mais ama, mais madruga.

Madrugaram hoje todas as Marias a ungir na sepultura o sagrado corpo: e qual madrugou mais? Para mim é consequência certa, que a Madalena. A Madalena amava mais que todas, logo Madalena madrugou mais que todas. E donde tiraremos a prova? Porventura, porque todos os Evangelistas nomeiam a Madalena em primeiro lugar, e S. João só a ela? Seja embora conjectura provável. Porventura, porque só da Madalena se diz que chorou: Stabat ad monumentum foris plorans? Melhor razão; porque o madrugar e o chorar é próprio da aurora: e nem o nome de aurora perderia na Madalena a formosura, nem as suas pérolas o preço. Porventura, porque tornando-se as outras Marias quando não acharam no sepulcro o corpo que iam ungir, só a Madalena sem se apartar daquele sagrado lugar, perseverou nele? Muito melhor argumento; porque nem só perseverou depois de todos, é sinal que antes desejou e se desvelou mais que todos. Mas a prova para mim mais evidente, é ser a Madalena a primeira a quem o Senhor apareceu: Apparuit primo Mariae Magdalene. Passemos das Marias aos Apóstolos. Aos outros Apóstolos apareceu o Senhor no mesmo dia de hoje, e só a S. Tomé daqui a oito dias: Post dies octo. E porquê? Porque S. Tomé tardou oito dias em vir: e assim como Cristo tarda mais para quem mais tarda, assim madruga mais para quem mais madruga. Antecipou-se Cristo a buscar primeiro que todos a Madalena, porque a Madalena se antecipou, e madrugou mais que todos em buscar a Cristo: ela foi a primeira em amar, porque só dela faz menção o Amado: e porque só ela chorou sem lhe enxugar as lágrimas a vista dos anjos; e porque só ela perseverou firme sem se apartar do sepulcro; e porque foi a primeira em amar, também foi a primeira em madrugar, provando como aurora do Sol de justiça, que quem mais ama, mais madruga. Mas vamos ao nosso tema, onde os embargos que tem o mesmo Sol nos darão a melhor prova.

IX

Até aqui se tem cansado o meu discurso (e cansado também aos ouvintes, que o não esperavam tão largo nesta hora) em satisfazer ao que prometi. Mas como aproveita pouco o semear sem colher, assim é inútil o dizer sem persuadir. Por este receio e justa desconfiança que tenho de mim, quisera que me acabara o sermão outro pregador. Considerando pois que pregador escolheria para este socorro, resolvi-me a que fosse o que maior e mais declarado fruto fez nesta Semana Santa. E quem é? Aquele que converteu a S. Pedro, e cantando o fez chorar: Cantavit gallus, recordatus est Petrus, et flevit amare. Não desprezeis o pregador, porque para perorar, e persuadir o que tenho dito, nenhum tem melhor talento, nem melhor eficácia. É tão douto, que não se preza menos a Sabedoria divina da ciência que pôs no homem, que da inteligência que deu ao galo: Quis posuit in visceribus hominis sapientiam, vel quis dedit gallo intelligentiam? Prega com a voz, e com o exemplo; porque faz o que diz. Se desperta e acorda aos outros, primeiro se desperta e acorda a si: e não abre a boca sem bater as asas, que é acompanhar a voz com as acções. O assunto da sua pregação é o próprio do meu discurso; para que aos homens por desacautelados, quando nasce o Sol, os não ache dormindo. Assim o notou Plínio: Nec Solis ortum incautis patiuntur obrepere. E para que não pareça cousa indigna, que o sermão de um pregador com fé, o acabe um animal sem uso de razão; lembrai-vos que tendo Deus falado muitas vezes ao profeta Balaão por si mesmo, no fim o convenceu pela língua de um bruto. Do mesmo modo o faz agora aos cristãos por meio das vozes ou brados daquele despertador irracional: Gallus jacentes arguit et somnolentos increpat: Sabeis (diz a Igreja Católica) o que fazem dentro da vossa família as vozes daquela ave tão vigilante? Argúem os que jazem na cama, e não se levantam; e repreendem os que se deixam vencer do sono, e não madrugam. E se me perguntais porque repete o galo a mesma voz, uma, e três vezes em cada noite; digo que são três admoestações canónicas, com que Deus avisa a todo o homem cristão, que o há-de excomungar e separar da comunicação dos verdadeiros fiéis, se for tão descuidado e negligente que não faça o que fazem as aves aos primeiros raios, ou bocejos da luz, saindo todas dos seus ninhos a louvar e dar a alvorada a seu criador.

Ouçam pois todos os que me ouviram, o valente perorador do meu sermão. O que querem dizer aquelas vozes confusas, são estas palavras desarticuladas: Surge qui dormis, et illuminabit te Christus: Tu, descuidado, tu negligente, tu preguiçoso que dormes na hora em que teu Senhor te busca tão desvelado, acorda, desperta, levanta-te, e alumiar-te-á Cristo. Cousa mui notável é, e grande confirmação do que tenho pregado, que sendo tão frequentes no Velho e Novo Testamento as visões sobrenaturais, e aparições in somnis, e madrugando o Senhor neste dia tanto antemanhã, e manifestando-se a tantos, a ninguém aparecesse, nem alumiasse quando dormia.

Alumiou a Madalena, quando não só estava com os olhos abertos, mas feitos duas fontes: alumiou as Marias, quando corriam a levar a nova da ressurreição aos Apóstolos: alumiou aos dous discípulos, quando caminhavam para Emaús: alumiou aos demais quando pela tarde estavam juntos no Cenáculo, a todos vigiando, e a nenhum dormindo. Até os Santos que ressuscitaram na mesma madrugada da ressurreição, primeiro que o Senhor os alumiasse com sua vista, se levantaram eles da sepultura onde dormiam o sono da morte [...]

* In Vol. 2, tomo V, s.l., s.d.

136

Sermão na Madrugada da Ressurreição*

Pe Antônio Vieira

Surrexit, non est hic, Marc. XVI.

I

Melhor é sempre Deus que quem o busca, ainda quando parece que falta ao que tem prometido. Tem prometido Deus que todos os que de madrugada o buscarem o acharão: Qui mane vigilant ad me, invenient me, e madrugando esta manhã as três Marias, prevenidas de preciosos unguentos para ungir o sagrado corpo que tinham acompanhado à sepultura, foram tão venturosas que o não acharam. Assim não cumpre Deus sua palavra, não porque falta, mas porque excede o que promete. Não acharam o que buscavam, mas acharam o que nem a buscar, nem a desejar, nem a imaginar se atreviam. Era ainda a madrugada tão escura, que mais se mostrava coberta de trevas, que de sombras: Cum adhuc tenebrae essent, e entrando no santo sepulcro as primeiras três romeiras dele, dentro lhes apareceu ou amanheceu um anjo, o qual vestido de branco, parecia a alva, e coroado de raios, o Sol:

Erat autem aspectus ejus sicut fulgur, et vestimentum ejus sicut nix. Esta é a gala dos anjos nos dias de grande festa, e este anjo foi o que lançou fora da porta a grande pedra que cerrava a sepultura, o que fez tremer a terra, o que derrubou amortecidas as guardas, e o que pôs em fugida os presídios de Pilatos. Não falaram palavra as Marias, assombradas do que viam; e o anjo depois de as animar, lhes disse nas palavras que propus, que Jesus Nazareno crucificado, a quem buscavam, ressuscitara, e não estava ali: Surrexit, non est hic.

Mas se não estava ali, aonde estava? A resposta desta pergunta será a matéria do sermão tão breve, como costuma ser, e é bem seja nesta hora: Ave Maria.

In Vol. 2, tomo V, pregado em Belém do Grão-Pará, s. d.

sábado, 11 de abril de 2009

Canto Gregoriano - Paixão de Cristo segundo São João

Cantado pelos monges da Abadia Saint-Pierre de Solesmes

João 18:1 a 19:30



Passio Domini Nostri Iesu Christi secundum Ioannes

[Ioannes 18]
{18:1} Hæc cum dixisset Iesus, egressus est cum discipulis suis trans Torrentem Cedron, ubi erat hortus, in quem introivit ipse, et discipuli eius.
{18:2} Sciebat autem et Iudas, qui tradebat eum, locum: quia frequenter Iesus convenerat illuc cum discipulis suis.
{18:3} Iudas ergo cum accepisset cohortem, et a Pontificibus, et Pharisæis ministros, venit illuc cum laternis, et facibus, et armis.
{18:4} Iesus itaque sciens omnia, quæ ventura erant super eum, processit, et dixit eis: Quem quæritis?
{18:5} Responderunt ei: Iesum Nazarenum. Dicit eis Iesus: Ego sum. Stabat autem et Iudas, qui tradebat eum, cum ipsis.
{18:6} Ut ergo dixit eis: Ego sum: abierunt retrorsum, et ceciderunt in terram.
{18:7} Iterum ergo interrogavit eos: Quem quæritis? Illi autem dixerunt: Iesum Nazarenum.
{18:8} Respondit Iesus: Dixi vobis, quia ego sum: si ergo me quæritis, sinite hos abire.
{18:9} Ut impleretur sermo, quem dixit: Quia quos dedisti mihi, non perdidi ex eis quemquam.
{18:10} Simon ergo Petrus habens gladium eduxit eum: et percussit pontificis servum: et abscidit auriculam eius dexteram. Erat autem nomen servo Malchus.
{18:11} Dixit ergo Iesus Petro: Mitte gladium tuum in vaginam. Calicem, quem dedit mihi Pater, non bibam illum?
{18:12} Cohors ergo, et tribunus, et ministri Iudæorum comprehenderunt Iesum, et ligaverunt eum:
{18:13} Et adduxerunt eum ad Annam primum, erat enim socer Caiphæ, qui erat pontifex anni illius.
{18:14} Erat autem Caiphas, qui consilium dederat Iudæis: Quia expedit, unum hominem mori pro populo.
{18:15} Sequebatur autem Iesum Simon Petrus, et alius discipulus. Discipulus autem ille erat notus pontifici, et introivit cum Iesu in atrium pontificis.
{18:16} Petrus autem stabat ad ostium foris. Exivit ergo discipulus alius, qui erat notus pontifici, et dixit ostiariæ: et introduxit Petrum.
{18:17} Dicit ergo Petro ancilla ostiaria: Numquid et tu ex discipulis es hominis istius? Dicit ille: Non sum.
{18:18} Stabant autem servi, et ministri ad prunas: quia frigus erat, et calefaciebant se: erat autem cum eis et Petrus stans, et calefaciens se.
{18:19} Pontifex ergo interrogavit Iesum de discipulis suis, et de doctrina eius.
{18:20} Respondit ei Iesus: Ego palam locutus sum mundo: ego semper docui in synagoga, et in templo, quo omnes Iudæi conveniunt: et in occulto locutus sum nihil.
{18:21} Quid me interrogas? Interroga eos, qui audierunt quid locutus sim ipsis: ecce hi sciunt quæ dixerim ego.
{18:22} Hæc autem cum dixisset, unus assistens ministrorum dedit alapam Iesu, dicens: Sic respondes pontifici?
{18:23} Respondit ei Iesus: Si male locutus sum, testimonium perhibe de malo: si autem bene, quid me cædis?
{18:24} Et misit eum Annas ligatum ad Caipham pontificem.
{18:25} Erat autem Simon Petrus stans, et calefaciens se. Dixerunt ergo ei: Numquid et tu ex discipulis eius es? Negavit ille, et dixit: Non sum.
{18:26} Dicit ei unus ex servis pontificis, cognatus eius, cuius abscidit Petrus auriculam: Nonne ego te vidi in horto cum illo?
{18:27} Iterum ergo negavit Petrus: et statim gallus cantavit.
{18:28} Adducunt ergo Iesum a Caipha in prætorium. Erat autem mane: et ipsi non introierunt in prætorium, ut non contaminarentur, sed ut manducarent Pascha.
{18:29} Exivit ergo Pilatus ad eos foras, et dixit: Quam accusationem affertis adversus hominem hunc?
{18:30} Responderunt, et dixerunt ei: Si non esset hic malefactor, non tibi tradidissemus eum.
{18:31} Dixit ergo eis Pilatus: Accipite eum vos, et secundum legem vestram iudicate eum. Dixerunt ergo ei Iudæi: Nobis non licet interficere quemquam.
{18:32} Ut sermo Iesu impleretur, quem dixit, significans qua morte esset moriturus.
{18:33} Introivit ergo iterum in prætorium Pilatus, et vocavit Iesum, et dixit ei: Tu es rex Iudæorum?
{18:34} Respondit Iesus: A temetipso hoc dicis, an alii dixerunt tibi de me?
{18:35} Respondit Pilatus: Numquid ego Iudæus sum? Gens tua, et pontifices tradiderunt te mihi: quid fecisti?
{18:36} Respondit Iesus: Regnum meum non est de hoc mundo. Si ex hoc mundo esset regnum meum, ministri mei utique decertarent ut non traderer Iudæis: nunc autem regnum meum non est hinc.
{18:37} Dixit itaque ei Pilatus: Ergo rex es tu? Respondit Iesus: Tu dicis quia rex sum ego. Ego in hoc natus sum, et ad hoc veni in mundum, ut testimonium perhibeam veritati: omnis, qui est ex veritate, audit vocem meam.
{18:38} Dicit ei Pilatus: Quid est veritas? Et cum hoc dixisset, iterum exivit ad Iudæos, et dicit eis: Ego nullam invenio in eo causam.
{18:39} Est autem consuetudo vobis ut unum dimittam vobis in Pascha: vultis ergo dimittam vobis regem Iudæorum?
{18:40} Clamaverunt ergo rursum omnes, dicentes: Non hunc, sed Barabbam. Erat autem Barabbas latro.

[Ioannes 19]
{19:1} Tunc ergo apprehendit Pilatus Iesum, et flagellavit.
{19:2} Et milites plectentes coronam de spinis, imposuerunt capiti eius: et veste purpurea circumdederunt eum.
{19:3} Et veniebant ad eum, et dicebant: Ave, rex Iudæorum: et dabant ei alapas.
{19:4} Exivit ergo iterum Pilatus foras, et dicit eis: Ecce adduco vobis eum foras, ut cognoscatis quia nullam invenio in eo causam.
{19:5} (Exivit ergo Iesus portans coronam spineam, et purpureum vestimentum:) Et dicit eis: Ecce homo.
{19:6} Cum ergo vidissent eum Pontifices, et ministri, clamabant, dicentes: Crucifige, crucifige eum. Dicit eis Pilatus: Accipite eum vos, et crucifigite: ego enim non invenio in eo causam.
{19:7} Responderunt ei Iudæi: Nos legem habemus, et secundum legem debet mori, quia Filium Dei se fecit.
{19:8} Cum ergo audisset Pilatus hunc sermonem, magis timuit.
{19:9} Et ingressus est prætorium iterum: et dixit ad Iesum: Unde es tu? Iesus autem responsum non dedit ei.
{19:10} Dicit ergo ei Pilatus: Mihi non loqueris? Nescis quia potestatem habeo crucifigere te, et potestatem habeo dimittere te?
{19:11} Respondit Iesus: Non haberes potestatem adversum me ullam, nisi tibi datum esset desuper. Propterea qui me tradidit tibi, maius peccatum habet.
{19:12} Et exinde quærebat Pilatus dimittere eum. Iudæi autem clamabant dicentes: Si hunc dimittis, non es amicus Cæsaris. Omnis enim, qui se regem facit, contradicit Cæsari.
{19:13} Pilatus autem cum audisset hos sermones, adduxit foras Iesum: et sedit pro tribunali, in loco, qui dicitur Lithostrotos, Hebraice autem Gabbatha.
{19:14} Erat autem parasceve Paschæ, hora quasi sexta, et dicit Iudæis: Ecce rex vester.
{19:15} Illi autem clamabant: Tolle, tolle, crucifige eum. Dicit eis Pilatus: Regem vestrum crucifigam? Responderunt Pontifices: Non habemus Regem, nisi Cæsarem.
{19:16} Tunc ergo tradidit eis illum ut crucifigeretur. Susceperunt autem Iesum, et eduxerunt.
{19:17} Et baiulans sibi crucem exivit in eum, qui dicitur Calvariæ, locum, Hebraice autem Golgotha:
{19:18} ubi crucifixerunt eum, et cum eo alios duos hinc, et hinc, medium autem Iesum.
{19:19} Scripsit autem et titulum Pilatus: et posuit super crucem. Erat autem scriptum: Iesus Nazarenus, Rex Iudæorum.
{19:20} Hunc ergo titulum multi Iudæorum legerunt: quia prope civitatem erat locus, ubi crucifixus est Iesus: Et erat scriptum Hebraice, Græce, et Latine.
{19:21} Dicebant ergo Pilato Pontifices Iudæorum: Noli scribere, Rex Iudæorum: sed quia ipse dixit: Rex sum Iudæorum.
{19:22} Respondit Pilatus: Quod scripsi, scripsi.
{19:23} Milites ergo cum crucifixissent eum, acceperunt vestimenta eius, (et fecerunt quattuor partes: unicuique militi partem) et tunicam. Erat autem tunica inconsutilis, desuper contexta per totum.
{19:24} Dixerunt ergo ad invicem: Non scindamus eam, sed sortiamur de illa cuius sit. Ut Scriptura impleretur, dicens: Partiti sunt vestimenta mea sibi: et in vestem meam miserunt sortem. Et milites quidem hæc fecerunt.
{19:25} Stabant autem iuxta crucem Iesu mater eius, et soror matris eius, Maria Cleophæ, et Maria Magdalene.
{19:26} Cum vidisset ergo Iesus matrem, et discipulum stantem, quem diligebat, dicit matri suæ: Mulier, ecce filius tuus.
{19:27} Deinde dicit discipulo: Ecce mater tua. Et ex illa hora accepit eam discipulus in sua.
{19:28} Postea sciens Iesus quia omnia consummata sunt, ut consummaretur Scriptura, dixit: Sitio.
{19:29} Vas ergo erat positum aceto plenum. Illi autem spongiam plenam aceto, hyssopo circumponentes, obtulerunt ori eius.
{19:30} Cum ergo accepisset Iesus acetum, dixit: Consummatum est. Et inclinato capite tradidit spiritum.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

A cruz de Cristo, nossa salvação


Padre Elílio de Faria Matos Júnior

Hoje é Sexta-feira Santa, dia em que a Santa Igreja comemora (commemorat) a paixão e morte de Nosso Senhor. A meditação piedosa desse evento ao mesmo tempo doloroso e salvador é de grande proveito para o progresso da vida espiritual.

Santo Tomás ensina que na imagem do Crucificado está presente, como num compêndio, todo um programa de vida espiritual: “Quem quiser viver perfeitamente não deve fazer outra coisa senão desprezar o que Cristo desprezou na cruz, e desejar o que nela Ele desejou. Nenhum exemplo de virtude está ausente da cruz” (In Symbolum Apostolorum expositio, art. 4). De fato, na cruz de Cristo vemos a caridade suprema, a paciência confiante, a obediência resoluta... Virtudes essas pelas quais Cristo cancela o pecado do homem, que consiste exatamente no movimento inverso à caridade, à paciência, à obediência...

Sim; na cruz Cristo não apenas nos deu um grande exemplo de virtude, mas também cancelou o pecado do homem, de modo que este pudesse ver-se justificado pela graça que vem de Cristo mediante a fé. A obediência de Cristo desfez o nó da desobediência de Adão e “assim, o homem, pela justiça de Cristo, foi libertado” (Santo Tomás, Summa theologiae, III, q. 46, a. 1).

Embora Deus pudesse ter-se valido de outros meios para nos justificar, ou mesmo pudesse simplesmente ter-nos concedido o perdão sem mais, quis, no entanto, que fôssemos libertados do pecado mediante a cruz de Cristo. Não que Deus tenha organizado a paixão e a morte do Filho induzindo os homens a entregá-lo para ser crucificado, mas no sentido de que, tendo sido realizadas contra Deus as ações que levaram o Inocente ao patíbulo, por intermédio de sua “permissão”, tais ações foram subordinadas por Deus à salvação dos homens, contra todas as intenções de seus autores.

A nossa justificação pela cruz mostra-se conveniente de diversos modos. Além do exemplo que Cristo nos Deus na cruz, incitando-nos a desprezar o pecado e a amar a virtude, o evento do Calvário soube unir de modo admirável a justiça e a misericórdia divinas no esplendor do amor. O Papa Bento XVI fala de um “virar-se de Deus contra si mesmo, com o qual ele se entrega para levantar o homem e salvá-lo" (Encíclica Deus caritas est, 12). Esta curiosa expressão do Papa - virar-se de Deus contra si mesmo - quer significar que tanto a justiça quanto a misericórdia de Deus foram harmonizadas de modo admirável na cruz. Pela justiça, o homem devia satifazer a Deus por causa do pecado. Mas pela misericórdia, convinha que Deus o perdoasse. Aconteceu, pois, que foi o próprio Deus que realizou essa satisfação pelo homem, para o homem e como homem, em Jesus Cristo, já que o homem sozinho não teria força para realizá-la. Deus como que se virou contra si mesmo.

E, assim, a justiça de Deus não foi negligenciada, e sua misericórdia se mostrou de forma extraordinária. Desse modo, pela cruz, o amor de Deus pelo homem se manifestou com muito mais evidência e poder do que se teria manifestado se Deus simplesmente lhe tivesse perdoado sem mais (cf. Santo Tomás, Summa theologiae, III, q. 46, a. 1, ad tertium).

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Canto Gregoriano para Quinta-Feira Santa

Gradual para Quinta-Feira Santa (Modo 5)

Christus factus est pro nobis obediens usque ad mortem, mortem autem crucis. Propter quod et Deus exaltavit illum, et dedit illi nomen, quod est super omne nomen.



Ofertório para Quinta-Feira Santa (Modo 2)

Dextera Domini fecit virtutem, dextera Domini exaltavit me: non moriar, sed vivam, et narrabo opera Domini.

sábado, 4 de abril de 2009

Ofertório para Domingo de Ramos (Modo 8)

Improperium exspectavit cor meum et miseriam: et sustinui qui simul contristaretur, et non fuit: consolantem me quaesivi et non inveni: et dederunt in escam meam fel, et in siti mea potaverunt me aceto.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Dois amores, duas cidades: Via modernorum I

Gustavo Corção

A infiltração nominalista na Civilização Ocidental Moderna.

Antes de iniciarmos o exame dos di- versos aspectos da Civilização Ocidental Moderna, convém determo-nos naconsideração mais acurada e mais abstraia dos principais fatôres desse importante período da história. Atrás dissemos que o triunfo do Nominalismo pesou mais na história moderna do que a invenção da imprensa, a descoberta da pólvora e a Reforma. Receamos que o leitor se apresse a julgar esque­mática demais nossa tese, e depois se apegue a esse juízo. E não ignoramos que a variedade dos acontecimentos, e até os contrastes das sistematizações fisolóficas, parecem contrariar a ideia de uma influência pertinaz e de certo modo constante.

Na verdade, observam-se muitas oscilações nesses quatro séculos que nos propomos examinar. Sob o ponto de vista das doutrinas económicas praticadas, começa mercantilista, e portan­to fortemente intervencionista, para terminar com o laissez-faire do liberalismo; sob o ponto de vista da relação homem-mundo começou violentamente naturista para terminar violentamente artificialista, oscilando da utopia do Eldorado para a utopia do Brave New World; sob o ponto de vista da relação do homem consigo mesmo, começou por um otimismo exultante e por um sentimento de descoberta, para após quatro séculos terminar num pessimismo acabrunhante, e num sentimento de extravio, desam­paro, esquecimento do próprio nome, que chamaríamos com­plexo de Parsifal, para aumentar a coleção das paralisias psí­quicas já catalogadas.

Poderíamos prolongar a lista de oscilações, todas elas, en­tretanto, inscritas dentro de certa tonalidade, ou presas aos mes­mos eixos. Para entender bem esse problema precisamos lem­brar o que já dissemos (Vol. I, II) sobre o valor civilizacional das ideias, e será bom reforçarmos a confiança nessa direção do pensamento.

jacques maritain: "As dores e esperanças de nosso tempo dependem, sem dúvida, das causas materiais, dos fatôres económicos e técnicos que desempenham papel essencial no movimento da história humana; mas ainda mais pro­fundamente dependem das ideias, do drama em que o espírito está engajado, das forças invisíveis que nascem e se desenvolvem em nossa inteligência e em nosso coração: porque a história não é um desenrolar mecânico de acon­tecimentos no meio dos quais o homem estaria simples­mente situado como um estranho; 'a história humana é humana na sua substância; é a história de nosso próprio ser, dessa carne miserável, submetida a todo o senhorio da natureza e de sua própria fraqueza, mas assim mesmo habituada e informada por um espírito, que lhe confere o terrível privilégio da liberdade. Nada, pois, é mais im­portante do que tudo o que ocorre dentro do universo invisível, que é o espírito do homem. Ora, a luz desse universo é o conhecimento. De onde se conclui que uma das condições exigidas para a construção de um mundo mais digno para o homem, ou para o advento de uma civilização, é a volta às fontes autênticas do conheci­mento: para sabermos o que é o conhecimento, qual é o valor, quais são os seus graus, e como pode ele assegurar a unidade interior do ser humano." (Raison et Raisons, Egloff, Paris, 1947, págs. 11, 12.)

Ora, qual terá sido a colocação constante, se alguma houve durante toda a Civilização Ocidental Moderna, relativa à na­tureza do conhecimento, ao seu valor, aos seus graus, e qual terá sido a consequência cultural dessa colocação na integração da unidade interior do ser humano?

Devemos dividir o problema em dois. No primeiro estão as posições tomadas, as formulações professadas pelas escolas, pêlos sistemas clara e conscicntementc filosóficos; no segundo estão as influências absorvidas, respiradas por todos (com exceção de pequena minoria que se defende, se opõe, mas assim mesmo ainda polariza seus atos por essas influências), transformadas cm híihiíos mentais trocados em miúdos, e usadas sem clara t iiiisdência da posição ou da filiação filosófica. Quando dize­mos que o Nominalismo pesou fortemente na C.O.M. queremos iüat duas coisas: a primeira é que os sistemas e elaborações filosóficas desse período tiveram esse caráter; a segunda e prin­cipal é que nas conversas de esquina, nas famílias, nos encon­tros dos namorados, na administração pública, etc, se encontram critérios com aquele inconfundível cunho.

Cuidemos do primeiro problema. A impressão que logo co-llk-mos na história do pensamento filosófico é desconcertante. Reaparecem as oscilações entre extremos que parecem incon­ciliáveis, e sobretudo originados de fontes diversas. Descartes se opõe a Locke e a Augusto Comte, Berkeley se opõe a Fichte. Hegel se opõe a Kieerkegaard e a toda a corrente existencia­lista; mas por outro lado, esses mesmos que se opõem segundo um dado critério se compõem segundo outro, e passam a con­trariar aqueles com que antes concordavam.

Em certo ponto do estudo podemos ser acometidos de uma crise de desânimo, ou de um ataque de hilaridade: parece que tudo o que é possível dizer de tudo já foi dito, e posto em indu­mentária de doutrina por algum filósofo.

Leitura mais pausada e refletida nos indicará, nesses quatro ou cinco séculos, um fio condutor, algumas constantes. Uma dessas, que parece traduzir um sentimento de culpa, é a im­portância que todos parecem dar ao problema do conhecimento. Homens apaixonadamente engajados na vida de ação não esca­pam à regra.

lenine: "A grande e fundamental questão de toda a filo­sofia, e especialmente da filosofia moderna, é a da relação entre o pensamento e o ser. Qual será o elemento pri­mordial, o espírito ou a natureza?" (Marx, Engels, Mar-xisme, pág. 15.)

Outra constante que se observa, relativa agora ao valor do conhecimento, é o destaque que adquire a Crítica que, em al­guns casos, passa a ser toda a filosofia. Já se disse de Kant que sua obra é a monumental introdução de uma obra que não foi escrita.

A terceira nota, referente desta vez aos graus do saber, é a posição subserviente em que se coloca a filosofia (pensamos por exemplo num Augusto Comte) diante da ciência positiva. Se voltarmos ainda a estudar a história do pensamento filosófico moderno, com redobrada atenção, e principalmente com a bús­sola de uma filosofia que possa julgar as outras, em seus acertos e desacertos, perceberemos mais nitidamente que, debaixo da variedade e das contradições, há uma unidade de índole.

J. marechal, S. J.: "Diminuiríamos toda a filosofia moderna se pretendêssemos tirá-la inteira, por dedução lógica, do nominalismo de Occam; nem pretendemos mesmo que a epistemologia do período pré-kantiano — só a epistemo-logia! — tenha tido essa filiação exclusiva. Muitos outros fatôres entraram em jogo: restauração, mais ou menos exata, das filosofias antigas; inovações pessoais de ousados pensadores; e acima de tudo, talvez, a influência da meto­dologia das ciências indutivas e da matemática, em cons­tante progresso. Contudo, por mais que se valorizem essas influências diversas, é preciso reconhecer que a filosofia moderna, desenvolvendo-se em um terreno profundamente trabalhado pelo nominalismo, adquiriu assim uma cor epis-temológica bastante acentuada e bastante uniforme para revelar, na colcha de retalho das Escolas, uma unidade genética profunda." (Lê Point de Départ de Ia Métaphy-sique, Cahier I, Felix Alcan, 1927, pág. 196.)

Preferiríamos formular a conclusão em termos um pouco diferentes. Dizendo "unidade genética" o autor sugere um pro­cesso de filiação, e se coloca decididamente na perspectiva da causalidade eficiente: as correntes dos "nominais" do século XIV estariam a suprir diretamente os cromossomos filosóficos do cartesianismo, do hegelianismo, e das mais correntes do pen­samento moderno. Preferimos uma atitude mais isenta, a da causalidade formal: aquelas correntes apresentam similitudes, "identidade de tendências" que se explicarão em parte por aquela filiação, mas também em parte, e talvez na maior, pela coinci­dência negativa.

Expliquemo-nos melhor. Parece-nos um pouco desmedido, e até pueril, responsabilizar Guilherme Occam, diríamos melhor, homenagear esse medíocre filósofo, com a responsabilidade de um desvio epistemológico de cinco séculos! Lembrando o que dissemos atrás dos homens representativos, classificaríamos Durand de Saint Pourçain, Pierre Auriol e Guilherme Occam, sem nenhuma hesitação, entre os passivos e negativos. É mais ampla e anônima a causa da decadência da escolástica e da torrente nominalista que inundou o mundo ocidental pelas brechas da Renascença e da Reforma.

(í. fraille: "Oxford e Paris (no século XIV) continuam sendo as principais universidades. Cresce o número de profes­sores e de alunos. Em 1406, só na Faculdade das Artes de Paris contavam-se mil professores e dez mil discípulos. Mas a decomposição interna se acentua, o rigor dos regu­lamentos se atenua, diminuem a intensidade dos estudos e a seriedade das provas para a concessão dos graus aca­démicos, que até por dinheiro se obtinham. Ao mesmo tempo, a multiplicação das universidades em outros países contribuía para privar Paris de sua categoria cosmopolita. Muitos mestres abandonavam suas aulas para dirigir-se a outros centros que ofereciam maiores vantagens (...) Prevalece sobre todas as correntes a chamada via moder-norum, que invade quase todas as universidades, e à qual aderem não poucos membros de Ordens religiosas que abandonam suas próprias escolas." (Historia de Ia Filo­sofia, II, B. A. C. 1960, pág. 1076.)

Na verdade, dizer que em todas as universidades dos fins do século XIV se ensinava o nominalismo, é o mesmo que dizer que se desensinava a filosofia. Mais adiante, quando focalizar­mos alguns problemas mais nitidamente filosóficos, veremos que o nominalismo, e todas as correntes derivadas, se caracterizam por uma ruptura onde houvera uma síntese laboriosa e genial­mente construída pêlos grandes escolásticos; ou se revela como uma impotência em contraste com o vigor daqueles; ou se de­nuncia por uma atitude simplificadora em contraste com a cora­josa e generosa de Santo Tomás. Invocando uma regra boa — "non sunt multiplicanda entia sine necessitate" — os seguido­res da via modernorum não multiplicaram também as necessá­rias exigências do estudo filosófico. Brutalizaram e vulgarizaram.

Cremos que sertà melhor dizer que o nominalismo, nos sé­culos XV e XVI, não era uma corrente filosófica, era antes uma atitude de espírito, ou talvez isso que hoje chamam de ideologia. Para entender o fenómeno no seu surgimento histórico, e no ressurgimento ao longo da subsequente história da filosofia, precisamos compreender que não basta considerar a atitude dos nominalistas em face do problema dos universais, ou de qualquer outra tese; também não basta mencionar o espírito crítico, o ergotismo, o gosto do malabarismo verbal, e outros pecados que o ar do século XV alimentava. Apesar das rivali­dades e dos torneios retóricos em que o doctor invincibilis, discípulo do doctor subtilis, gostava de brilhar, não havia pro­priamente um sistema, ou uma escola. Mas essa coisa vaga que chamamos "estado de espírito" ou "ideologia" produziu as mais amplas repercussões na política, na filosofia, na teologia e na mística. A teologia passa a dispensar os serviços da filosofia. Não precisa talvez da razão. Não podendo estar preso a ne­nhuma obrigação, Deus não poderia ficar atado nem às fórmu­las dogmáticas, nem aos preceitos morais. Se quisesse, poderia Ele declarar que as tábuas de Moisés estavam superadas, e con-seqüentemente poderia apontar como meritórios os atos que os antigos julgavam perversos e egoístas. E se quisesse — sim, por incrível que pareça, para eletrizar seus alunos de Oxford, e principalmente para escandalizar os "integristas" que ainda es­tudavam Santo Tomás, o doctor invincibilis inventou esta va­riante para a Encarnação: se Deus quisesse poderia ter encar­nado seu Verbo num burro!

G. fraille: "Santo Tomás tinha realizado a incorporação da filosofia ao cristianismo, e criado com isto a teologia como ciência no sentido rigoroso do termo. A razão e a fé, a filosofia e a teologia, são coisas distintas, mas podem se integrar harmônicamente em um trabalho comum, con­tribuindo para a explicação e penetração dos dogmas da Fé. Escoto, embora formulando-a de outro modo, ainda manterá a solução afirmativa. Mas Guilherme Occam adotará ante esse problema uma atitude decididamente ne­gativa. A teologia não é ciência, e não há possibilidade nenhuma de conciliação entre os dois campos, o da razão e o da Fé. Nesta atitude estão implicados todas as teses do nominalismo: sua teoria do conhecimento, sua doutrina dos conceitos universais, sua ideia de ciência. E assim se compreendem os múltiplos desvios, aparentemente contra­ditórios, que resultam do maior ou menor uso de seus prin­cípios. Assim veremos como, debaixo da mesma ampla denominação, cabem as atividades mais discrepantes: criticismo, fideísmo, empirismo, racionalismo, ceticismo, indi-ferentismo religioso e misticismo." (Op. cit. 1078-79.)

Com as características negativas acima apontadas, podería­mos dizer que o nominalismo é uma espécie de avitaminose ou de carência, ou que é o modo invariável de a filosofia adoecer, desenganar-se e morrer. Sem necessidade nenhuma de filiação histórica, de conexão genética, em qualquer lugar isolado do mundo, ou em qualquer planeta, onde não surgisse um Santo Tomás, seus grandes discípulos, comentadores e continuadores, sem necessidade nenhuma também de algum doctor invincibilis, a tendência geral da mediocridade filosofante produziria coisa parecida com o que chamamos nominalismo. Se na conjuntura imaginada acrescentássemos a situação de decadência em rela­ção a um estágio anterior, e a corrupção geral da cultura e das atividades intelectuais, e por cima disto tudo uma erupção de modernismo, então o surto da mediocridade filosofante teria a virulência que observamos na alvorada da nova civilização.

Cremos que o caso concreto da situação filosófica nos séculos XV e XVI, e o que aconteceu depois, se explica por causas endógenas em interação com agentes exógenos. A ten­dência natural do desmoronamento cultural, ou da entropia cres­cente no domínio da filosofia, foi acelerada pêlos agentes pro­gressistas da época que alegremente depredaram uma cultura fi­losófica que era um dos mais preciosos tesouros da humanidade. Ê verdade que, como obras feitas, não se perderam as jóias desse tesouro. E até podemos dizer que ainda hoje, numa ci­vilização nominalista até à medula dos ossos, é comum encon­trar-se na casa de um amigo alguns volumes da Suma Teológica. Na coleção dos Great Books organizada por Mortimer Adler lá está a obra de Santo Tomás, e em vão procuraremos qual­quer obra de Guilherme Occam.

A obra de Santo Tomás, e a corrente aristotélico-tomista é a única que atravessa os séculos e sempre tem estudiosos. Mas a influência civilizacional deslocou-se, a atmosfera contaminou-se com a radioatividade da explosão atómica dos séculos XIV e XV. E esse é o ponto que nos interessa especialmente neste tra­balho. Para entendermos melhor as suas dimensões e o seu alcance, devemos estudar um pouco mais de perto o problema filosófico propriamente dito. São inevitavelmente árduas as pá­ginas em que tentaremos resumir os pontos principais, pelo que, pedimos ao leitor um reforço de paciência e de atenção.

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