Livre-tradução do artigo "Moralidad del voto a candidatos menos indignos" do Padre Pablo Suárez do Distrito da América do Sul da FSSPX, publicado na edição número 7 dos "Cuadernos de La Reja" - especial "Fazer Política".
Palavras do editor dos "Cuadernos de La Reja"
Neste artigo é feita a exposição de uma discussão doutrinal tida na Espanha nos começos do século passado, por motivo das eleições municipais, resolvidas pela intervenção de São Pio X. O problema que se apresentou então aos católicos espanhóis é o mesmo que, em circunstâncias cada vez piores à medida que avança a corrupção política e social, se apresenta hoje aos católicos do mundo inteiro: Que atitude tomar diante da mentira da democracia atual que nos chama a eleger entre candidatos maus, piores e péssimos, todos contrários às nossas mais fundamentais convicções, para logo felicitarmo-nos porque exercemos a "soberania popular"? O problema é hoje ainda mais complexo, e ao publicar este artigo não pretendemos resolvê-lo. Queremos deixar muito claro que a finalidade que buscamos ao pedir esta relação ao autor - filho querido de nosso Seminário - não é encorajar a participação dos católicos na farsa eleitoral, porque se há algo que foi levando os Estados cristãos à catástrofe na qual nos encontramos, foi crer impossível a resistência aos dogmas republicanos da Revolução. A finalidade imediata é a que expressa o título do livreto: contribuir com alguns esclarecimentos aprovados pelo Magistério da Igreja sobre o difícil problema moral do voto a um candidato indigno. E a finalidade última e principal é que - recorrendo às palavras de São Pio X com que termina o escrito - "tenham todos presente que, diante do perigo da religião ou do bem público, a ninguém é lícito permanecer ocioso". Porque diante da enormidade do mal corremos o grave risco de renunciar à ação, por mais pequena que esta seja, pelo bem comum da Pátria e da sociedade.
Moralidade do voto a candidatos menos indignos, Rev. Pe. Pablo Suárez
O título escolhido para apresentar o tema deste trabalho representa uma posição concreta da matéria que abordará; não parece que seja mal fazê-lo assim e, contudo, também poderia intitular-se "Dois artigos e uma carta" pois, na realidade, também se trata disso: por um lado, de dois escritos aparecidos quase um século atrás em uma prestigiosa revista católica espanhola, "Razón y Fe", e por outro, de uma carta do Papa São Pio X, as três focalizando a problemática referida.
Preliminarmente, seria conveniente formular uma advertência, a saber: que para quem isto escreve, não é do caso converter-se em aficionado delas, senão tão somente basear-se em um dado mais reputado e importante que sirva como elemento de juízo subsidiário para encarar esta espinhosa questão, com a qual certamente têm que conviver os católicos contemporâneos.
Nessa inteligência, o mais apropriado será fazer como uma espécie de relação dos acontecimentos, deixando que sejam os fatos, as opiniões e os atores mesmos envolvidos quem apareçam em primeiro plano, já que é em torno deles que gira toda a questão.
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Na revista "Razón y Fe" (outubro, 1905), o Rev. Pe. Venancio Minteguiaga escreve um artigo ("Algo sobre las elecciones municipales") antecipando-se às eleições que aconteceriam na primeira quinzena de novembro, assinaladas pela apatia e pelo retraimento de muitos eleitores católicos para acudir às urnas e organizarem-se para a luta. Uma apatia que manifesta-se pela grande quantidade de abstenções registradas nas eleições passadas, mas também marcadas pela falta de inteligência e união entre eles.
O redator assinala que "os acertos ou desacertos nas eleições municipais, não somente refletem-se em uma ordem de tamanha influência no bem-estar dos povos, como é a ordem econômica, senão na paz e tranqüilidade e boas relações internacionais, e ainda na ordem mais carregada, que é a religiosa e moral. E se não, dizemos: o que é que não se pode temer, por exemplo, de uma maioria sectária que, apoderada de um município, não respire mais que ódio e hostilidade contra a Religião, e que proceda sem escrúpulos, como conseqüência, em quanto à moralidade pública?"
Assim pois, é claro que em seu parecer as qualidades dos eleitos representam um fator determinante não somente no tipo de políticas que serão levadas adiante na ordem natural-material - ou econômica, como ele mesmo diz -, senão também e principalmente no campo da moral e bons costumes públicos.
Daí que, então, se tira a seguinte conclusão: "Que se diga o que se queira sobre a inutilidade dos esforços feitos nas eleições, que se repita uma e muitas vezes (e nunca se repetirá o bastante) que as eleições não são mais que uma mentira e uma farsa de mal gosto, que se fale (e não faltará matéria para falar) das coações, das fraudes, dos artifícios e trambiques eleitorais; dizemos que, a pesar de tudo isso e a pesar de todas as arbitrariedades e de todos os despotismos, enquanto haja alguma forma possível de exercer o direito, enquanto haja um recurso legal e armas que opor às armas dos inimigos e meios para descobrir e parar os seus abusos e exageros, é necessário que não abandonem a luta eleitoral os que sentem arder no seu peito a chama da Religião e do bem público. Porque o não fazê-lo assim, é o mesmo que entregar o campo aos inimigos, ou seja, aos piores inimigos da Igreja e da sociedade".
Depois de discorrer sobre o imperativo de que os católicos reforcem suas trincheiras, abandonando as questões pessoais e sectárias por causa dos altos interesses que buscam, passa o articulista ao cerne da questão, abordando as regras da teologia moral.
Em primeiro lugar, se esforça em estabelecer que para os católicos o problema das eleições constitui suave e simplesmente uma "questão de consciência".
"O assunto que temos diante de nós não é assunto livre porque nesta coisa de exercer o direito de votar nas eleições populares passa no meio a consciência. Opcional como é o exercício do direito individual de eleger diante da lei civil espanhola (no Brasil o voto é obrigatório), enquanto não se aprove o projeto de lei sobre o voto obrigatório, não o é, nem o pode ser diante da lei moral. Porque como há de ser coisa indiferente na ordem moral, que aqui está representado pela justiça legal, que os cidadãos olhem ou não pelo bem público, e que os católicos não se interessem pelo bem da Religião, o que, como católicos e como cidadãos juntamente, se desentendam, como se em nada lhes coubesse os danos da Igreja e da sociedade?"
Uma vez que o autor pôs a questão nestes termos, rubrica sua opinião apelando à doutrina de reconhecidos autores de teologia moral. Assim, refere que sem entrar nos casos concretos, nos quais a obrigação de emitir o voto pode ser maior ou menor, e inclusive desaparecer por completo, "pode-se assegurar com Ferreres que, 'em geral, os que têm o direito de sufrágio, estão obrigados em consciência a concorrer às urnas' (Ferreres, casus conscientiae, de IV praecepto decalogi, cas. 9º. Cfr. Bernardi, Praxis confesarii, tract. IV, cap. II, punct. V.".
A obrigação do católico, não de envolver-se ativamente em política, senão a de usar da ferramenta eleitoral em quanto está à sua disposição fazê-lo, ou, por pô-lo em outros termos, de não mergulhar em consciente indiferença, a encontra aprovada no ensino magistral de Leão XIII, que nas encíclicas Sapientiae Christianae, e mais explicitamente, em Immortale Dei, não somente recomenda ativamente seu uso, senão também adverte sobre as conseqüências que poderiam seguir de não fazê-lo.
Neste último documento, escreve Leão XIII que "o não querer tomar parte nenhuma nas coisas públicas seria tão mal quanto não querer prestar-se a nada que seja de utilidade comum, especialmente os católicos que, ensinados pela mesma doutrina que professam, estão obrigados a administrar as coisas com vivacidade e fidelidade. Do contrário, se estão quietos e ociosos, facilmente apoderar-se-ão dos assuntos públicos pessoas cuja maneira de pensar não ofereça grandes esperanças de saudável governo. O qual estaria, por outra parte, unido com não pequeno dano da Religião cristã, porque então poderiam muito os inimigos da Igreja e muito pouco seus amigos".
Já no final de seu artigo, o Pe. Minteguiaga desce ainda mais ao plano concreto, planejando a crucial e discutida questão: é lícito votar em um candidato indigno quando concorre com outro mais indigno? Deixemos que seja ele quem explique sua opinião, recorrendo a uma longa citação de seu escrito.
"A qualificação de indigno se limita aqui ao candidato hostil à Religião, como o é em mais ou menos grau o liberal enquanto liberal; por outra parte, a necessidade de votar em um candidato indigno é clara e manifesta nas uniões de católicos e liberais (...) O célebre caso se baseia na suposição de que de qualquer modo há de ser eleito um dos dois candidatos indignos, e também se dá por suposto que não há de haver má intenção no eleitor católico, intenção de que triunfe o candidato indigno, senão unicamente a intenção manifesta de rejeitar e de evitar a todo custo a eleição do candidato mais hostil à Religião.
A objeção e dificuldade que se oferece aqui à consciência aparece clara e obviamente. Porque nunca é lícito fazer um mal para alcançar um bem; e mal é, sem dúvida, ainda que menor, eleger um indigno, ainda que seja menos indigno. E isto é o que faz vacilar e o que retrai a muitos. Mas pelo lado oposto da licitude aparece e chama a atenção um princípio de prudência que, se bem se presta a graves abusos quando se lhe aplica mal, é em si razoável e aceitável ainda no íntimo da consciência; e ainda pode dizer-se que é uma verdade de senso comum e de aplicação diária nos usos da vida. É o princípio de que de dois males necessários ou quando um ou outro é inevitável, se deve eleger o menor.
'À razão da opinião contrária se pode responder, diz Villada, que o princípio citado (de que nunca é lícito fazer um mal para alcançar um bem) é verdadeiro se se trata de eleger formalmente o mau, o qual nunca é lícito; mas não se se trata do mal material menor em concorrência com outro mal maior, o qual é permitido, porque então o menos mal é um bem formal relativo' (Casus conscientiae, t. 1, cas. 6º, quaer. 5º).
Por isto também quando não se pode evitar o incêndio de uma casa, se destrói parte dela para salvar o restante, e em um naufrágio se lançam as mercadorias ao mar para liberar o barco, e, o que mais vem ao caso, se deixa o homem cortar o braço ou a mão, o qual por si não é lícito, para conservar a vida. Nestes casos eleger o menos mal é eleger o bom; é, a saber, a diminuição do mal, e é mirar e tentar unicamente o bem no mal que se tolera e se permite. O princípio que estabelece que de dois males necessários se deve eleger o menor, tem sua sagração no direito canônico (Decreti prim. part., disp. 13.c.1.Duo mala - Diz o título do capítulo: Minus malum de duobus eligendum est. E continua: Unde in Concilio Toletano, 8, c. 2, legitur: Duo mala, licet sint omnino cautissime praecavenda, tamen si periculi necesitas ex his unum perpetrare compulerit, id debemus resolvere quod minori nexu noscitur obligare).
Vejamos agora o que dizem respeitáveis moralistas modernos.
Pergunta Gury-Ferreres, falando das eleições populares, 'se é lícito dar alguma vez o voto a um candidato menos indigno ou também indigno'; e contesta com resolução de uma maneira afirmativa 'se não há esperança, diz, da eleição de um candidato digno, e o indigno concorre unicamente com outro mais indigno, porque então a eleição de um candidato menos mal tem razão de bem' (Casus conscientiae, de 4º praec. decal., cas. 9º). E cita, entre outros, em seu apoio ao Canônico Penitenciário Berardi, quem, proposto o caso, o resolve com a mesma determinação, e cita por sua vez, em seu favor, a Aertnys e a Villada (Praxis confesar., tract. IV, cap. II, punct. IV).
Não é outra tampouco a opinião de Lehmkühl: 'Dar o sufrágio, diz, a um candidato mau com a intenção de que saia vencedor, sempre é um pecado grave; porque isto é dar formalmente o sufrágio a um candidato mau. Mas dar o sufrágio para que seja excluído outro candidato pior, não é pecado, senão que pode ser um bem, contanto que não se aprove nada de mal no candidato indigno, porque isto não é outra coisa que dar materialmente o sufrágio ao candidato mau' (Casus conscientiae, cas. 139).
Entre os autores que defendem a licitude nomeia Villada o espanhol Lugo, teólogo antigo de grande autoridade. É verdade que este moralista fala das eleições para os benefícios; mas a mesma razão há para aplicar a doutrina às eleições de que falamos. Pergunta o Cardeal Lugo 'se é lícito alguma vez eleger para os benefícios a uma pessoa não digna' e responde nos termos seguintes:
'Nunca é lícito senão quando não se encontra uma pessoa digna; porque então, para evitar um mal maior, se pode dar o benefício ao indigno, segundo o ensinam, com outros, Lesio e Filiucio. E é o que se faz nas regiões setentrionais infestadas de heresia, onde, para evitar um mal maior, e para que os benefícios não caiam nas mãos de hereges, elegem-se algumas vezes católicos pouco dignos ou indignos' (De. Iust., disp. 35, sect. 1, nº5)".
A questão de consciência, que é a principal para todo bom católico, parece - na opinião do Padre Minteguiaga - suficientemente aclarada. Adiantando-se às contrariedades que poderiam provocar suas idéias, que subscrevem a sentença de licitude do voto ao candidato menos indigno somente no caso em que concorra junto a outro mais indigno, podem conjurar-se explicando os fundamentos nos quais seu parecer se apóia e definindo o estado da questão nos termos em que ele mesmo a circunscreveu.
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No número de dezembro da aludida publicação, o Rev. Pe. Villada escreve um artigo (De elecciones) sobre o resultado das eleições produzidas em novembro de 1905, no qual além de analisar o destino das eleições, vai em defesa das idéias de seu confrade, como mais abaixo se verá.
O autor da nota revê a situação eleitoral, ocasião na qual os católicos em alguns lugares concorreram juntos às urnas, enquanto que em outros, particularmente ali onde sobressaem os inimigos da fé, disputaram os postos elegíveis propondo distintas candidaturas, e isto com desatenção dos conselhos dados pelos bispos.
Não foram poucos os pastores que deixaram ouvir sua voz mediante cartas e instruções, a fim de recordar aos fiéis a natureza e importância das obrigações que de uma ou outra forma deveriam encarar.
Assim, o Cardeal Arcebispo de Toledo, em seus "Conselhos ao Clero e católicos" de 16 de outubro desse mesmo ano, aponta que "diante do risco que correm os fundamentos da ordem, da autoridade pública e da sociedade, aconselhamos, e se estivesse em nossas atribuições, mandaríamos, a todos os sacerdotes e católicos da arquidiocese, hábeis para emitir seu voto, que acudam com valor e serenidade a depositar nas urnas a favor dos cidadãos que, além de elegíveis, sejam honrados, crentes e de notória capacidade para a proveitosa administração municipal. Contudo para que esse trabalho tenha êxito feliz, convém que se execute com ordem, disciplina e prudência. Desde então está indicada a necessidade de (...) apresentar candidatos próprios, e se não for possível a eleição desejada deles, entrar em acordo com as autoridades respectivas, com o objetivo de tirar o bem que se possa; não perdendo de vista a regra teológica de que algumas vezes é lícito, para salvar o todo, tolerar a perda de uma parte, e por livrar de naufrágio seguro o barco e sua tripulação, por tolerância sejam lançadas ao mar as mercadorias na medida em que dite a necessidade e a prudência".
Os conselhos do Cardeal Primado ecoaram no resto do episcopado espanhol. Assim, os fazem seus os prelados de Saragoza, León, Teruel, Jaca. De sua parte, o Bispo de Tortosa publica uma "Instrução Pastoral" em 31 de outubro de 1905, na qual se desenvolve da seguinte forma:
"Venhamos agora ao terreno prático. E a quem devemos dar o voto nas eleições, às que nos dizem que concorramos? É de desejar que em todas as populações, onde seja possível, se apresente candidatura claramente católica, e onde esta se apresente, votem nela os católicos que estimem ser-lo.
Onde não haja candidatura claramente católica, e se apresente somente candidatura chamada liberal, abstenham-se os católicos de votar-la.
Mas Onde se apresentem duas candidaturas chamadas liberais, uma composta de elementos que se chamam católicos e outra formada de elementos anticlericais conhecidos por seu ódio à Igreja e menosprezo de seus ensinamentos, os católicos votem a primeira para impedir o triunfo dos anticlericais, ou seja, anti-católicos.
Não lhes detenha o escrúpulo de contribuir neste caso ao triunfo da primeira, porque não lhes votam para significar que aprovam seus princípios ou que não lhes importam para o governo dos povos, senão para impedir o triunfo de inimigos que fazem alarde de não crer e de combater à Igreja e aos seus ministros. Neste caso não se faz um mal, senão que se faz relativamente um bem, desde que se impeça um mal evidentemente maior. Esta é doutrina mantida por autores recomendáveis por sua ciência e sãs idéias".
Esses testemunhos dos bispos corroboram o pensamento do Pe. Minteguiaga que, segundo adiantou-se, parece ter sido objeto de interpretação incorreta, e até de impugnação por parte de certa imprensa católica. Daí que o Pe. Villada encara sua defesa, articulando-a mediante respostas particulares às objeções que levantou.
Acima de tudo, o redator não crê advertir - como alguns parecem ver - uma mudança teórica ou prática na posição assumida pelo P. Minteguiaga e traduzida na obra "Casus conscientiae de liberalismo". Não favorece o liberalismo em nenhum de seus graus - afirma - e no máximo constitui uma ampliação do caso ali resolvido.
Este, ainda lamentando os estragos que se deparam na Espanha como conseqüência da lenta revolução, faz presente aos católicos que entre os meios disponíveis para combater essa revolução e impedir seu desenvolvimento, está o voto ao menos mau quando esse meio é necessário para impedir aquele desenvolvimento, o qual não é favorecer um mal senão impedir seu crescimento.
Ninguém contestou o Pe. Minteguiaga no que diz respeito à necessidade de que os católicos devem ir às urnas e de que devem fazer todo esforço possível para apresentar candidaturas de oposição; mas o que parece ter causado ardência a muitos é que não se imponha aos católicos o renunciar ao partido a que pertencem para unirem-se a outro do qual estão apartados, senão que se lhes consinta permanecer cada qual no seu lugar, com tal que todos cooperem leal e eficazmente para obter o bem que com a união se propõe, posição que encontra apoio na carta de Leão XIII "Cum multa", de onde extrai o seguinte parágrafo:
"Em uma coisa devem concordar os fautores dos partidos apostos, ainda que em outras discordem, convém saber: que é necessário que a Religião católica se conserve incólume em meio dos progressos das civilizações. E para conseguir este nobre e necessário propósito devem todos os que se prezam do título de católicos, unidos em estreita aliança, aplicar-se diligentemente, fazendo calar entretanto as diversas opiniões nos assuntos políticos, as quais, sem embargo, podem honesta e legitimamente em seu tempo e lugar defender. Porque esta classe de interesses, contanto que não repugnem a Religião ou a justiça, a Igreja de nenhuma maneira as condena, senão que, apartada de todo estrondo de disputas, segue adiante, empregando seu trabalho em proveito comum, e amando com amor de mãe a todos os homens, sem exceção, mas marcadamente a aqueles em quem aparece fé e piedade mais adiantada.
Uma vez estabelecido isto, o Pe. Villada passa a comentar as diversas objeções oferecidas às idéias do Pe. Minteguiaga, para cuja fiel exposição se relacionarão do modo em que o são em seu próprio trabalho.
"Vejamos agora as coisas que alguns notaram a respeito do mal menor:
1. A chamada 'teoria do mal menor', dizem alguns, sempre e de todas as formas é falsa, por contradizer os ensinamentos do Grande Apóstolo". Esta afirmação está longe de ser verdade. A teoria do mal menor é corrente entre os teólogos e nenhum deles, sem embargo, se atreve a contradizer os ensinamentos de São Paulo; sinal evidente de que esses teólogos não a julgam contrária ao Apóstolo. Nas célebres palavras et non faciamus mala ut veniant bona (não façamos o mal para que se alcance bens), fala o santo Apóstolo, como em outra parte observamos (Casus conscientiae, t. II, "De consectariis liberalismi", n. 4 (nota 3), a.), do mal moral ou pecado, que jamais pode alguém cometer ainda para obter o maior bem possível.
2. A teoria lícita do mal menor não tem aplicação, senão somente quando há necessidade absoluta ou obrigação de optar entre dois males; por isso é lícita a amputação do braço para conservar a vida. Também isto é falso. Sempre é lícito deixar-se amputar o braço para conservar a vida, e nem sempre, e por si só nunca, segundo os teólogos, é obrigatório fazê-lo assim; porque não há obrigação de conservar, ou melhor, de alongar a vida por meios extraordinários, como o da dita amputação; veja, v. gr., Santo Afonso, l.3, n. 372, e Guri, I, I, n. 391.
3. Ao menos, aplicada a teoria ao mal moral, é inadmissível; porque eleger de dois males morais ou dois pecados um, já é pecar; e isto é o que se verifica na eleição do candidato menos mau que, por fim, é mal. Aqui está o nó da questão e aqui parece que se confundem duas coisas muito distintas. Uma é fazer formalmente o mal moral, ou seja, cometer o pecado, e outra permitir materialmente que outro o cometa ou dar ocasião para que outro peque abusando dela. O primeiro nunca é lícito; o segundo pode ser-lo, como admitem comumente os teólogos, se se faz para obter um grande bem, e evidentemente, sem má intenção e evitando devidamente o escândalo que houver. Pois isto é precisamente o que ocorre na eleição do menos indigno: com ela se lhe dá o ofício, que é como uma arma ou ocasião de que se teme que abuse por sua malícia em dano da sociedade; mas se lhe dá com causa suficiente, ou seja, por evitar o mal maior que viria de não votar-lhe. E note-se bem que a malícia da eleição do indigno, quando a há, consiste nisto, em dar tal ocasião sem causa suficiente (...) Desse modo explica também o Pe. Vermeersch que a malícia material ou objetiva da eleição do indigno, quando sustenta (Quaestiones de iustitia, n.91.) que 'é uma cooperação, mediate participantis, bastante parecida à do vendedor que entrega armas ao que prevê que vai abusar delas. Pode, por conseguinte, escusar-se por causa proporcionada a esta cooperação'. Assim escusam comumente os moralistas a quem, precisando de dinheiro e não tendo quem lhe empreste, o pede a um usurário, pondo-lo em ocasião de pecar exigindo interesse injusto. Pois nesta ocasião de abusar de seu ofício põe por sua parte ao vereador ou ao deputado quem lhe dá seu voto para tal oficio. Fazê-lo sem causa, ou pretendendo o dano que se teme ou com escândalo moral, é pecado; fazê-lo para obter um bem relativo proporcionado, como é evitar um dano muito maior que faria o mais indigno, é coisa lícita.
Na verdade parece oportuno advertir que os autores de Teologia Moral que trataram, depois da publicação de Casus conscientiae de liberalismo (1884), este ponto determinado das eleições a cargos públicos civis, sejam administrativas, sejam políticas, todos, sem exceção que eu saiba, o resolveram do mesmo modo que em Casus, a favor da licitude do sufrágio. Além de Lehmkühl, March, Berardi, Ojetti, Aertnys, Gènicot, Palmieri, etc., citados e seguidos por Il Monitore (Ecclesiastico di Roma), ensina o mesmo Bulot em seu Compêndio de Teologia Moral que acaba de ser publicado, Ferreres, Busquet, Noldin, Delama, Muller.
4. Mas por fim, votando no liberal menos mal fomenta-se o liberalismo, como lançando menos fogo se fomenta o incêndio. A rigor, o que se faz é estorvar que se ponha fogo como de vinte ao permitir que ponha talvez fogo de dois; o que não é fomentar, senão amortecer o fogo; e tanto poderá amortecer-se que logo será fácil apagá-lo. E aqui ocorre perguntar: Quem mostra mais horror ao incêndio do liberalismo? Aquele que, enquanto não pode apagá-lo, fique parado em sua casa, sem fazer nada mais que lamentar-se e gemer? 'Separando-se do liberalismo, se diz, negando-lhe toda cooperação, atingindo-lhe e abrindo brechas em seus muros, dessa forma ele se desmoronará e se concluirá o incêndio e a gangrena'. Bem, mas, como se lhe atinge e nele se abre brecha? Porque isso de separar-se dele e de negar-lhe toda cooperação formal, não pondo o meramente material senão quando lhe prejudica e evita seu desenvolvimento, isso o fazem já todos os bons católicos. Por que não atingi-lo também com a emissão do voto, sobretudo quando vemos na prática onde nos conduz a apatia e o retraimento?
Na Espanha, como em todas as partes, onde houve corajosos, foi feita guerra ao inimigo com todos os meios lícitos, usando contra ele as armas próprias primeiro, e em caso de necessidade as alheias, ainda que sejam de um inimigo parcial, contra o inimigo comum. Isto não é favorecer o inimigo, é servir-se dele".
Já no fim de seu artigo, o Pe. Villada invoca a seu favor os conselhos dados por São Pio X durante as eleições italianas: "Os indivíduos particulares - diz - dos partidos políticos poderão ser uns piores que os outros, e às vezes talvez alguém pertencente a um partido mais avançado poderá ser menos mal que outro pertencente a um partido mais conservador; mas sempre será por si mesmo menos mal ou mais tolerável aquele que em seu programa de governo se mostre menos perseguidor da Igreja. Esta mesma doutrina foi recentemente aprovada por Pio X nas eleições italianas, permitindo que muitos católicos votassem em deputados mais ou menos liberais e, por conseguinte, mais ou menos inimigos da Igreja e dos direitos do Papa, a fim de impedir o triunfo dos socialistas e anarquistas que em tais distritos apresentavam-se. Com razão, por conseguinte, muitos bispos espanhóis incentivaram os católicos de suas dioceses, segundo indicamos antes, para que amoldassem sua conduta nas últimas eleições administrativas a essa doutrina.
E bem considerada - continua - é em si tão razoável e tão conforme ao senso comum cristão, que várias publicações católicas contrárias ao artigo de 'Razón y Fe' se vêem obrigadas a confessar: uma delas, que o princípio no qual a doutrina se apóia é verdadeiro, por mais que sua aplicação nesta terra de louvável tenacidade e santa intransigência contra hereges, mouros e turcos, seja ponto delicadíssimo; outra, que tal doutrina é lícita nas eleições administrativas, e que em alguns casos estranho para as políticas; o qual não vemos como pode explicar-se em boa lógica, posto que a malícia moral da eleição de um indigno em ambas as classes de eleições é especificamente a mesma, dado que consiste em conferir por um voto um cargo público do que se teme abuse o eleito como arma para fazer dano; outra, enfim, parece contentar-se com que admitindo o princípio, não se aplique sistematicamente sempre e em todo caso".
Por fim, termina seu escrito com duas observações: "1ª, que ao expor esta doutrina e ao aplicar-la como a aplicamos, não é nosso pensamento impor-la a ninguém, para o qual nenhuma autoridade temos; declaramos, sem embargo, que a razão intrínseca dada a favor da licitude parece certa, segundo os princípios da moral em matéria de cooperação, e que não vemos como se possa em consciência obrigar a não votar no caso de que se trata; 2ª, que no apreciar a cada caso qual é o maior mal ou bem relativo nem sempre é fácil e, por conseguinte, assim os eleitores como também os chefes de partido, e estes talvez mais do que os primeiros, devem consultar em caso de dúvida a pessoas doutas e piedosas e, caso seja possível, de autoridade na Igreja que, bem informadas do caso nas diversas combinações lícitas que podem ocorrer, sem paixão política e guiadas pelo amor sincero do amor e mais sólido bem da Religião e da Pátria, serão as melhor dispostas para formar e emitir um juízo prudente".
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O tema em questão causou um ampla agitação no meio eclesiástico e jornalístico católico, bem como seja que o bispo de Madri tenha recorrido À Santa Sé, seja que esta tenha atuado de motu proprio, o Papa São Pio X julgou oportuno intervir no problema deixando ouvir sua voz oficial mediante uma carta dirigida a esse prelado, cujos extremos são os seguintes:
"Ao venerável irmão Victoriano, Bispo de Madri, Arcebispo de Valencia.
Pio Pp. X.
Venerável Irmão, saúde e bênção Apostólica: Chegou ao nosso conhecimento que entre os católicos da Espanha originaram-se certas disputas, que exacerbaram um pouco nestes últimos meses as antigas discórdias de partido. Foi-se tomado a propósito de tais disputas de dois artigos publicados na revista 'Razón y Fé', sobre o dever dos católicos de concorrer às eleições para eleger aos que hão de administrar o interesse público, e sobre a norma que ha de seguir-se para escolher entre os candidatos quando há competência.
Por nossa parte, quisemos que fossem examinados os dois referidos artigos, e nada há neles que não seja ensinado atualmente pela maior parte dos Doutores de Moral, sem que a Igreja o reprove nem o contradiga. Não existe, pois, razão para que os ânimos de tal forma se inflamem: assim, desejamos e queremos que cessem por completo as dissensões surgidas e demasiado fomentadas por um longo tempo. Isto certamente tanto mais o desejamos, quanto que, se alguma vez, agora mais do que nunca é necessária a maior concórdia dos católicos.
Tenham todos presentes que, diante do perigo da religião ou do bem público, a ninguém é lícito permanecer ocioso. Agora bem, os que se esforçam por destruir a religião ou a sociedade, põe a mira principalmente em apoderar-se, se lhes fosse dado, da administração pública e em ser nomeados para os cargos legislativos. Portanto, é necessário que os católicos evitem com todo o cuidado tal perigo, e assim, deixados de lado os interesses de partido, trabalhem duramente pela incolumidade da religião e da pátria, procurando com empenho sobretudo, isto; a saber: que tanto às assembléias administrativas como às políticas ou do reino vaiam aqueles que, consideradas as condições de cada eleição e as circunstâncias dos tempos e dos lugares, segundo retamente se resolve nos artigos da citada revista, pareça que hão de olhar melhor pelos interesses da religião e da pátria no exercício de seu cargo público.
Estas coisas, Venerável Irmão, desejamos que vós e os demais Bispos da Espanha aviseis e persuadais o povo, e que reprimais em diante com prudência tais disputas entre os católicos.
Como um penhor de dons divinos e em testemunho de nossa benevolência damos a todos com sumo afeto a bênção Apostólica.
Dado em Roma, em São Pedro, no dia 20 de fevereiro, ano 1906, terceiro de nosso Pontificado.
Pio Papa X
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