sexta-feira, 19 de junho de 2009

Idolatria

 

por Padre James V. Schall SJ

“Eu sou o Senhor, teu Deus, não terás outros deuses diante de mim”.


Na cultura de hoje Iahweh está ultrapassado ao negar um lugar apropriado para “outros deuses”. Todas as religiões e filosofias se dizem “criadas” iguais. Iahweh, no entanto, não é “ecumênico”. Que tipo de aberração de Deus é esse que pede exclusividade? Por que não podemos “adorar” múltiplos deuses? O que são deuses, afinal? Ninguém, de fato, fala de deuses. Falamos de “história”, “justiça”, “democracia”, “progresso”, “direitos”, “dignidade”, tolerância”, de “nós mesmos”.

Levamos mais seriamente a segunda parte dos mandamentos do decálogo porque eles se referem a nós mesmos – não matar; não cometer adultério; não mentir; não roubar; não caluniar. Suspeitamos que esses mandamentos devam estar corretos mesmo quando os violamos. Mas os primeiros três mandamentos que falam sobre nossa relação direta com Deus, mas que raios de “bens” são esses? Certamente, a idolatria não é um problema “contemporâneo”? Ninguém está erigindo “ídolos do mercado”, para lembrarmos de Francis Bacon (1561-1626). O Senhor é útil somente se Ele ajudar a “construir” um mundo melhor.

Uma passagem de William Shakespeare (1564-1616) em “Troilo e Créssida” (1602) diz: “É tola idolatria / tornar o culto mais solene que o próprio deus” (ii,52).

Na questão 94 da Segunda Parte da Parte Segunda da Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino (1225-1274) traz à baila a questão da idolatria. Ele quer saber se isso é pecado, até mesmo se isso é o pecado “mais grave”? Ele gostaria de saber sobre a causa da idolatria por parte dos homens. Esse questionamento é o que gosto em Santo Tomás de Aquino. Durante a leitura, ele nos faz perguntas que nunca tínhamos pensado, e só depois percebemos que deveríamos ter pensado em fazê-las.

Santo Tomás de Aquino – cujo dia antigamente era celebrado no dia 7 de março, dia de sua morte na abadia cisterciense de Fossanova – representa uma luz. Ele não tem medo de perguntar. O que é mais notável, ele não tem medo de responder. Ao contrário de Sócrates (470-399 a.C.), apesar de não necessariamente estar em oposição a Sócrates, ele não diz que o que sabe é o que não sabe. Ele diz que o que ele sabe é o que ele sabe, a verdade “daquilo que é”.

Algumas pessoas, diz Santo Tomás de Aquino, pensam que os sacrifícios e outros sinais de “latria”, ou seja, sinais de devoção devidos somente a Deus, também podem ser oferecidos para qualquer outro tipo de ser superior, deus ou homem. Como Santo Tomás nos apresenta claramente, essa postura “dicitur irrationabiliter”, é tomada de modo irracional. Ao saber que devemos respeitar apropriadamente aos seres de natureza superior, passamos a dever uma reverência especial e única à Deus, que excede todos os outros seres.

O cristianismo não está somente preocupado com sinais externos. Ele deseja um relacionamento apropriado, interna e externamente, em nossos pensamentos e ações. “Verba sonantia signa sunt rerum” – as palavras são sinais sonoros de coisas. Somos realistas especialmente quando nos referimos à Deus. Nossas palavras e sacrifícios são conscientemente oferecidos à Deus. Deliberadamente distinguimos esses de outros atos.

Muitos irão supor, continua Santo Tomás de Aquino, que nossos sacrifícios e preces são um pouco mais do que ações costumeiras que realizamos simplesmente porque nossos ancestrais assim fizeram. Nem foi legítimo, durante a perseguição, adorar exteriormente ídolos, enquanto interiormente negávamos o consentimento. Esse argumento sustenta Santo Tomás é “manifeste falsum”. Por quê? Nosso culto exterior é sinal de nossa postura interior. Estamos mentindo diante de Deus ao admitir outros deuses diante Dele.

Por si mesma, diz Santo Tomás, a idolatria é o mais grave dos pecados. Por quê? Por causa de nosso maior dever de fazer retornar à Deus o louvor que Lhe é devido. O pior dos pecados objetivos cometidos contra Deus é aquele que atribui à criatura aquilo que propriamente pertence a Deus. A idolatria, em si, facit alium Dem in mundo, minuens principatum divinum” – cria outro deus no mundo, minimizando assim a lei divina. Deus quer que conheçamos toda a realidade, até mesmo a realidade Dele.

Devemos ter “outros deuses”? Seria esse um dos sinais de nosso tempo, de um tempo que parece tão absorto em si mesmo? Um dos atributos de Deus é ser “auto-suficiente”. Quando Deus criou o cosmos, com tudo o que há, Ele não “precisava” disso. Ele não “exige” nossa adoração para o Seu bem. A essência da idolatria, portanto, seria, como indicou Santo Tomás de Aquino, a elevação de algum ser, especialmente nós mesmos, à categoria de Deus. Será que podemos fazer isso?

Fazemos isso todos os dias, claro. Deus é odiado no mundo moderno porque Ele tem um plano para ordenar a nossa vida, para a nossa salvação, diferente do que planejamos para nós. Somos chamados a “obedecer” aos mandamentos, até mesmo ao mandamento de não ter “outros deuses” acima Dele. Nessa obediência é que a luz última pela qual vemos que “somos” e “o que somos” nos mostra que não somos deuses.

Tradução de Márcia Xavier de Brito - CIEEP

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