sábado, 22 de agosto de 2009

A RUPTURA CONTINUA

REVISTA “IESUS CHRISTUS” Nº 123
EDITORIAL DEL SUPERIOR DE DISTRITO

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A RUPTURA CONTINUA
Concluída no dia 29 de junho passado e publicada no dia 7 de julho, a encíclica Caritas in Veritate escrita por Bento XVI e seus colaboradores é um documento longo, árduo, no qual o Papa trata sobre o “desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade”. No começo do documento, o Papa afirma que o seu ensinamento e o de Paulo VI, que se propõe continuar, não estão de modo algum em ruptura com o de Leão XIII e o de Pio XI: “o vínculo entre Populorum Progressio e o Concílio Vaticano II não representam um corte entre o magistério de Paulo VI e o dos Papas que lhe precederam, sendo que o Concílio é um aprofundamento deste magistério na continuidade da vida da Igreja” (§ 12). Esta continuidade, o Papa tentou justifica-la no seu famoso discurso do dia 22 de dezembro de 2005.
Bento XVI parte de um pressuposto que desenvolverá ao longo de sua encíclica: a globalização em marcha é inevitável, é necessário por tanto acompanha-lo: “a globalização, a priori, diz ele, não é nem boa nem má, ela será o que as pessoas forem” (§ 42).
O Papa, com certa ingenuidade, parece não se dar conta do terrível perigo que representa esta globalização que não poderá ser edificada senão sobre as ruínas da Cristandade. Querer batizar a globalização vem a ser querer batizar um cadáver. Querer persuadir os católicos a trabalhar por este projeto vem a ser encorajá-los a cavar sua própria tumba. A globalização é para a política o que o ecumenismo é para a religião. O primeiro conduzirá à desaparição das pátrias tão naturais a todo homem neste mundo e o segundo conduzirá à desaparição da Igreja católica, única religião revelada que pouco a pouco será dissolvida numa religião universal que os globalistas querem estabelecer conforme um dos seus grandes ideais maçônicos.
Para evitar um governo mundial, que ele distingue do globalismo, e do qual ele vê o perigo, Bento XVI propõe um “governo” que seria como uma autoridade supra-nacional e mundial que por meio de intermediários regularia e moralizaria as relações entre os povos: “Para não engendrar um perigoso poder universal de tipo monocrático o governo da globalização deve ser de natureza subsidiaria, articulado em muitos níveis e sob diversos planos que colaborariam entre si” (§ 57).
Com efeito, Bento XVI subentende deste modo que o tempo da Cristandade passou. É por esta razão que ele não faz ai nenhuma referencia. É necessário então propor um novo sistema. Essa constatação é conforme ao perigo que representa um globalismo materialista, ateu, que queria se impor e que o Papa denuncia. É necessário então tentar fazer a síntese dos dois “batizando” a globalização e lhe pedindo que a Igreja tenha “direito de cidadania” (§ 56) nesta construção mundial.
Fiel ao ecumenismo que o Concilio Vaticano II trouxe às fontes batismais o Papa não pede para a Igreja católica que ela tenha a exclusividade dessa missão, mas simplesmente a liberdade de atuar ao lado das outras religiões: “Outras culturas e religiões ensinam também a fraternidade e a paz e apresentam, portanto uma grande importância para o desenvolvimento humano integral” (§ 44).
A confrontação dessas linhas com o ensinamento que os Papas Leão XIII e Pio XI expuseram nas suas encíclicas sociais manifesta uma ruptura com a Tradição católica. Leiam-se essas linhas de Leão XIII: “É a Igreja que, com efeito, toma no Evangelho doutrinas capazes já seja de por fim ao conflito, já seja ao menos de suavizá-lo tirando tudo o que ele tem de aspereza e de acidez; a Igreja, que não se contenta de esclarecer o espírito com os seus ensinamentos, mas se esforça ainda de regular em conseqüência as vidas e costumes de cada um; a Igreja, que por um enorme número de instituições eminentemente beneficentes, tende a melhorar a sorte das classes pobres; a Igreja que quer e deseja ardentemente que todas as classes ponham em comum as suas luzes e as suas forças para dar à questão trabalhista a melhor solução possível. (...) Se a sociedade humana deve ser curada ela o será unicamente por um retorno á vida e às instituições do cristianismo”.(1)
Pio XI afirmará com o mesmo vigor que “A esta crise tão dolorosa das almas, que enquanto dure ferirá de esterilidade todo o esforço de regeneração social, não há remédio eficaz a não ser num franco e sincero retorno à doutrina do Evangelho, aos preceitos dAquele que tem palavras de vida eterna, estas palavras que permanecem mesmo que o Céu e a terra perecessem” (2). O Papa Bento XVI não renuncia às palavras de seus predecessores, mas ele vê nelas a expressão de um pensamento que pertence a uma época hoje já passada.
Para compreender bem a noção de tradição de Bento XVI é necessário reportar-se a um discurso que ele fez já faz alguns anos: “A tradição é a comunhão dos fiéis ao redor dos pastores legítimos no curso da historia, uma comunhão que o Espírito Santo alimenta assegurando o vínculo entre a experiência da fé vivida na comunidade original dos discípulos e a experiência atual do Cristo na sua Igreja”. (3)
Com efeito, a tradição para o Papa atual é a fecundação pelo Espírito Santo da experiência vivida pelos fiéis, unidos aos seus pastores durante toda a historia da Igreja como o fez a Terceira pessoa da Santíssima Trindade na época apostólica. Ela é, pois evolutiva. Esta definição está bem afastada daquela que aprendemos no catecismo de São Pio X: “A Tradição é a palavra de Deus não escrita na Bíblia, mas comunicada de viva voz por Jesus Cristo e pelos apóstolos, e transmitida sem alteração pelos séculos por intermédio da Igreja até nós” (4). A ruptura com o Magistério tradicional é aqui evidente.
O homem está no centro de todo este sistema desejado por Bento XVI: “A maior força que move o desenvolvimento, é, pois um humanismo cristão que reaviva a caridade e se deixa guiar pela verdade, acolhendo um e outro como dons permanentes de Deus” (§ 78). Para realizar esse programa todos os homens devem unir-se: “Crentes e não crentes são geralmente de acordo sobre um ponto: tudo sobre a terra se deve ordenar ao homem como ao seu centro e cume” (5) (§ 57). Retomando uma expressão de Paulo VI da sua Encíclica Populorum Progressio, Bento XVI chegará até a afirmar que “todo trabalhador é um criador” (§ 41).
Não podemos ficar calados diante de tal proposição. A distinção entre a ordem natural e sobrenatural foi deixada em silencio. A necessidade da Redenção, da graça para curar a alma humana e lhe fazer esperar uma eternidade bem-aventurada é também ignorada. Este humanismo envenena a encíclica. Tudo isso parece sair das logias, algo que nada tem a ver com a Tradição católica. Certamente esta encíclica manifesta uma inegável continuidade, mas sim com o Vaticano II, que está ele mesmo, em ruptura com o Magistério tradicional. Será talvez por isso que tantos homens políticos elogiam a Caritas in veritate? Raras são as vozes discordantes.
Ontem os Papas ensinavam que a Fé católica devia ser a alma da sociedade; assim foi edificada a Cristandade. Hoje a Igreja conciliar não pede mais que um mísero “direito de cidadania” (§ 56) ou seja, a liberdade de existir ao lado das outras religiões. Será necessário lembrar que este “governo” (§ 57) que Bento XVI deseja para moralizar a globalização era ontem uma realidade representada durante séculos pela Igreja católica que unificou as nações cristãs entre elas. A Igreja depois do último concílio renunciou a este papel, certamente difícil mas indispensável para esperar uma restauração social. Lá também a encíclica de Bento XVI marca uma ruptura com o ensinamento constante da Igreja. Conforme à sentença: “a natureza odeia o vazio” o caminho fica aberto para edificar a Babilônia das religiões e das nações.
Convém também destacar que a encíclica Caritas in Veritate não faz nenhuma alusão ao reino social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para Bento XVI isto não pode ser ensinado mais como o fazia a Igreja ontem. Devemos procurar hoje “uma sociedade laica de inspiração cristã” (6) onde a liberdade de consciência será respeitada e defendida. Assim o pediu o Concilio Vaticano II. (7)
Será necessário então, infelizmente, constatar que essa última encíclica está em ruptura evidente com o ensinamento tradicional da Igreja. A religião católica não é uma opção para a restauração social, mas uma necessidade para salvar a sociedade do caos no qual se precipita.
Leiamos para terminar estas fortes palavras de Pio XI: “Aparece com evidencia que essa restauração social tão desejada deve ser precedida por uma completa renovação deste espírito cristão que perderam, infelizmente, muito frequentemente, aqueles que se ocupam das questões econômicas; de outro modo todos os esforços serão vãos, se construirá não sobre pedra, mas sobre uma areia movediça. É por isso que, se a sociedade humana deve ser curada ela o será somente por um retorno à vida e às instituições cristãs. Somente Ele pode trazer remédio eficaz a esta excessiva preocupação das coisas perecíveis, origem de todos os vícios. Somente Ele, quando os homens estão fascinados e completamente absorvidos pelos bens deste mundo que passam, pode desviar-lhes o olhar e elevá-los ao Céu. Quem poderá negar que é deste remédio que a sociedade de hoje tem urgente necessidade?” (8).
A Fraternidade São Pio X durante as próximas discussões doutrinais com as autoridades romanas terá a dura tarefa de provar que o último concílio e o ensinamento que lhe seguiu desde 40 anos constitui uma ruptura evidente e brutal com o ensinamento tradicional da Igreja. A tarefa parece sobre-humana. No entanto não esqueçamos que a Igreja é divina. Que cada um de nós reze e faça penitencia por essa intenção afim de que a verdade triunfe para a gloria de Deus, honra da Igreja, restauração da sociedade e salvação das almas.
Que Deus os abençoe!

Pe Christian Bouchacourt
Superior de Distrito América del Sur

Notas:

1. Rerum Novarum, 15 de maio de 1891.
2. Quadragésimo Anno, 15 de maio de 1931.
3. Alocução do dia 26 de Abril de 2006, Osservatore Romano. Cfr. Artigo do R.Pe. J.M. Gleize em Fideliter No. 179, págs. 21 a 26.
4. Catecismo de São Pio X, Edições Reconquista, pág. 112 No. 890.
5. Vaticano II, Constituição Gaudium et Spes §12.
6. Cfr. o excelente artigo de Dom Tissier de Mallerais: A Hermenêutica de Bento XVI, em Sel de la Terre 69.
7. Declaração Dignitatis Humanæ n°. 2.
8. Pio XI, ibidem.

Fonte: http://www.fsspx-sudamerica.org/secciones/editorial123portu.html

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