quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O Iluminismo - Trevas na época das luzes

 

Ronaldo Mota

Introdução

O século XVIII é normalmente apresentado como a época do triunfo da razão. Pegando ao acaso um desses livros de história geral e lendo o tópico Iluminismo, encontramos coisas do tipo: “Os escritores franceses do século XVIII provocaram uma verdadeira revolução intelectual na história do pensamento moderno. Suas idéias caracterizavam-se pela importância que davam à razão: rejeitavam as tradições e procuravam uma explicação racional para todas as coisas.”.[1] Isso não é, entretanto, mais uma simplificação – para não dizer distorção – de manuais de divulgação, mas um reflexo grosseiro do que os principais autores dessa época afirmavam. Voltaire, por exemplo, afirmou que antes de Bacon ninguém conheceu a filosofia experimental. Ao lembrar-se, porém, das grandes descobertas científicas que foram feitas antes de Francis Bacon, apressou-se a declarar:

foi na época da mais estúpida barbárie que essas grandes mudanças foram feitas sobre a Terra: só o acaso produziu quase todas essas invenções e parece que até mesmo o que se chama acaso participou muito da descoberta da América;”.[2]

Em seu panfleto O que é o Iluminismo?, Emmanuel Kant escreveu:

O iluminismo é a libertação do homem de sua culpável incapacidade. A incapacidade significa a impossibilidade de servir-se de sua inteligência sem o direcionamento de outro. (...) Sapere aude! Tenha o valor de servir-te de tua própria razão! Eis aqui o lema do iluminismo.[3]

Sabendo disso, não seria muito difícil imaginar como se construiu, com o passar do tempo, a idéia de uma época da razão em oposição à outra de barbárie e de trevas. Como lembra Paolo Rossi, um importante historiador da ciência, basta “ler o Discurso preliminar à grande Enciclopédia dos iluministas ou também o início do Discurso sobre as ciências e sobre as artes de Jean-Jacques Rousseau para ficar ciente de como circulava com força, desde meados do século XVIII, a definição de Idade Média como época obscura, ou como um ‘retrocesso para a barbárie’”.[4]

O que há de verdade nessa visão iluminista?

Paolo Rossi, apesar de ser um relativista admirador dos modernos, não hesitou em declarar que:

Hoje sabemos que o mito da Idade Média, como época de barbárie, era, justamente, um mito, construído pela cultura dos humanistas e pelos pais fundadores da modernidade.”.[5]

A afirmação de P. Rossi é importante, visto que vem de um dos maiores historiadores da ciência atualmente.[6] Contudo, ela diz respeito apenas à metade do problema. P. Rossi esqueceu, como veremos nesse artigo, que iluministas e companhia não criaram apenas o mito da Idade das Trevas, mas também o mito do Século das Luzes.   

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Notas:

[1] José Jobson de A. Arruda. História Moderna e Contemporânea. 19ª. ed. São Paulo: Ed. Ática, 1986, p. 115

[2] Voltaire. Cartas Filosóficas. São Paulo: Ed. Landy, 2001, pp. 85-86 (o negrito é nosso)

[3] Emmanuel Kant. Filosofía de la historia. 2ª. ed., México: Fondo de Cultura Económica, 2004, p. 25

[4] Paolo Rossi. O nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru, SP: Ed. EDUSC, 2001, p. 14

[5] Paolo Rossi. op. cit. p. 15 (o negrito é nosso)

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